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18 de Maio de 2024

O Inquérito Policial como instrumento de apuração das infrações penais, à luz dos princípios constitucionais

Resumo

O inquérito policial, desde sua inserção oficial no ordenamento jurídico, sofreu poucas alterações quanto à sua formalidade e regulamentação. Com o advento da Constituição Federal de 1988 restaram no texto constitucional consagrados princípios e garantias fundamentais que visam concretizar o Estado Democrático de Direito. Nessa esteira, considerando boa parte da doutrina que considera o inquérito policial "mera peça de informação" negando-lhe suas reais finalidades e menosprezando o procedimento o presente trabalho tece suas análises proporcionando ao leitor uma visão menos atrofiada e limitada da extensão do inquérito policial. Desta feita, ressalta seu valor como instrumento das apurações de infrações penais que desencadeia e esclarece que seu espectro visa não somente embasar eventual órgão acusatório mas, precipuamente, esclarecer a verdade real dos fatos. Somente sob o império da lei e dos princípios constitucionais fundamentais, inclusive com o respeito ao contraditório e ampla defesa, efetivamente esclarecido o campo de atuação, é que se poderá compreendê-lo como instrumento de promoção da Justiça social, de um lado atendendo aos anseios de repressão penal pela sociedade e, de outro giro, mantendo a integridade dos princípios e garantias constitucionais assegurados na Constituição Federal e que objetivam a dignidade da pessoa humana.

Palavras chave: Inquérito Policial. Constituição Federal e o Inquérito Policial. Princípios constitucionais e Inquérito Policial. Tentativas de supressão do Inquérito Policial. Inquérito Policial Democrático.

Abstract

The police investigation, since its inclusion in the official legal system, has changed little for their formality and regulation. With the advent of the Federal Constitution of 1988 remained enshrined in the Constitution guarantees fundamental principles and aimed at achieving the democratic rule of law. On this track, considering much of the doctrine that considers the police investigation "mere piece of information" by denying them their real purposes and disregarding the procedure this work weaves its analysis affords the reader a less stunted and limited the extent of the police investigation. This time, underscores its value as an instrument of the findings of criminal offenses that triggers and states that its spectrum is intended not only to base any prosecutorial agency but, primarily, to clarify the real truth of the facts. Only under the rule of law and constitutional principles, including respect for the contradictory and full defense, effectively cleared the field, is that you can understand it as a means of promoting social justice, on the one hand given to the wishes of criminal prosecution by the company, and another spin, maintaining the integrity of constitutional principles and guarantees secured by the Constitution and that aim to human dignity.

Keywords: police investigation. The Federal Constitution and the police investigation. Constitutional principles and the police investigation. Attempts to police suppression of the survey. Enquire democratic police.

1. Introdução

O presente trabalho tem como ponto crucial a abordagem dos princípios e garantias constitucionais e sua aplicação no Inquérito Policial, como instrumento de apuração das infrações penais.

Diante da grave crise de segurança pública que assola tantos países, prepondera uma situação muito mais sensível, mais avassaladora e de consequências nefastas travada por duas vertentes. A primeira argumenta que toda e qualquer solução na área de segurança pública passa por uma investigação policial defensiva da dignidade da pessoa humana e deva submeter-se aos princípios constitucionais. Em verdade, prega o crescimento do ser humano, e se opõe a qualquer recrudescimento de direitos conquistados ao longo dos séculos.

Não estaria, porém, completo o quadro ruinoso se este lado da guerra não voltasse seus olhos para o inquérito policial.

É o inquérito policial o alvo predileto desde tempos antigos. Os ataques são constantes, contudo, ele permanece com existência serena.

Francisco Campos, então Ministro da Justiça, já fervorosamente o defendia contra as obscuras intenções de grupos que pretendiam aniquilá-lo. Com maestria assim se manifestou: "uma garantia contra apressados e errôneos juízos formados ainda quando persiste a trepidação moral causada pelo crime ou antes que seja possível uma exata visão de conjunto dos fatos, nas suas circunstâncias objetivas e subjetivas".[1]

Imperioso reconhecer que, ainda na atualidade, parte majoritária da doutrina processual penal nega aplicação dos princípios constitucionais ao Inquérito Policial, defendendo o cabimento destes tão somente quando da fase processual penal. Muitos, ainda, vão além, não reconhecendo sequer a natureza do inquérito policial, desdenhando-lhe sua importância.

A situação estrábica da doutrina processual implica nas constantes "lições" de que as garantias constitucionais são asseguradas somente na fase processual. Delimitam, assim, a fria letra da lei que disciplina "(...) e aos acusados em geral", consoante preceitua o art. , inc. LV, da Constituição Federal.

O objetivo deste trabalho é a encampação dos princípios e garantias constitucionais no Inquérito Policial considerando-o como instrumento de apuração das infrações penais. Portanto, outro não poderia ser o direcionamento senão, a princípio tecermos comentários sobre o inquérito policial, seu nascedouro, seu papel e sua efetividade, sua natureza jurídica e as diversas correntes que se digladiam a respeito, o acalorado tema do conceito do inquérito policial, obviamente, num escorço histórico analisamos as leis que o criaram, de fato ou oficialmente e, principalmente, a discussão travada nos bastidores do anteprojeto do Código de Processo Penal de 1941, que defendeu a extinção do inquérito policial em nosso ordenamento.

Adiante analisamos sua previsão na legislação processual penal e na Constituição Federal de 1988.

Ponto crucial do presente trata do inquérito policial no contexto constitucional. A inserção ou a relativização dos princípios constitucionais. Afinal, desde seu nascedouro, o inquérito existe justamente pelo respeito a dignidade da pessoa humana.

Resta cristalina a defesa do inquérito policial e sua democratização como meio único na realização da justiça criminal e defesa dos direitos fundamentais conquistados pelo homem, até mesmo porque entendemos que a atividade estatal mais severa proporcionada por um Estado Democrático é a realizada pela persecução penal importando na restrição de liberdade ou em outras esferas de direitos individuais do cidadão.

Como consectário natural insta observar que o aperfeiçoamento se impõe mas, não podemos aceitar seja o inquérito policial eleito bode expiatório de uma legislação que requer aperfeiçoamento.

Destarte, o trabalho está estruturado em itens fundamentais para uma compreensão a respeito do tema, sendo assim, outra não poderia ser a intenção se não tratar num primeiro momento da Polícia como instituição, seu surgimento e um breve escorço histórico desde os primórdios até os dias atuais. Abrange esclarecimentos sobre a fundação da Polícia Civil no Brasil, a criação da Polícia de carreira e, finda a primeira parte apresentando a Polícia como a face do Estado.

E, para uma melhor análise do tema tece o panorama histórico no qual o ordenamento jurídico brasileiro concebeu o Inquérito Policial e confronta com argumentos elucidativos a criação do Inquérito de fato ou oficialmente, trazendo à lume os aspectos das Leis que o criaram.

Num segundo momento traçamos as nuances do Inquérito Policial e sua inserção no ordenamento jurídico analisando sua conceituação, as discussões sobre a natureza e como ponto alto destacamos o tópico intitulado As Tentativas de Supressão do Inquérito Policial que congrega todos os confrontos e afrontes suportados pelo instituto do Inquérito Policial, inclusive com dados de bastidores.

E como não poderia deixar de ser trazemos à baila nosso posicionamento político a respeito da natureza e conceito do Inquérito Policial, sob o prisma único da dignidade da pessoa humana, concebendo-o como instrumento de promoção do Estado Democrático de Direito.

A terceira parte relaciona o surgimento do Estado Democrático de Direito e os princípios consagrados pela nossa Constituição Federal, informando o Inquérito Policial como instrumento de apuração das infrações penais, tecendo dentre tantas outras as considerações de que mesmo quando não houver o desencadeamento de um processo a investigação terá cumprido um papel de suma importância na ordem jurídica, que não se trata de mera fase anterior ao processo e que não podemos aceitar posições doutrinárias a seu respeito sob a ótica exclusiva do que ele representa para o órgão acusatório.

O item seguinte tratando do cerne do presente estudo culmina por anotar as discussões travadas a respeito da aplicabilidade dos princípios do contraditório e ampla defesa no Inquérito Policial, apontando as diversidades de correntes doutrinária e jurisprudencial relacionadas com o tema.

Após esta estrutura apresentamos nossa conclusão.

Nesse sentido é utilizado um método de pesquisa teórica com a exposição do posicionamento de diversos autores a respeito do tema, a inserção de seus pensamentos e nossa conclusão, fruto também da experiência adquirida nos plantões dos Distritos Policiais desta Capital.

2. Considerações sobre o surgimento da polícia

A Polícia surgiu desde os primeiros aglomerados humanos. A natureza humana levou o homem a viver em sociedade e, inevitavelmente, surgiram choques de interesses decorrentes de buscas de vantagens pessoais. A conclusão mais reta é que para a existência em comum, necessário se faz que os indivíduos que integram o grupo social abram mão, em prol do coletivo, de uma parte de suas liberdades, obedecendo a um mínimo de regras sociais. Necessário, pois, disciplinar a atividade de cada um, pois o convívio social não poderia admitir que cada qual exercesse sua vontade em detrimento do direito alheio.

Nasceram as sociedades organizadas que criaram o Estado e repudiaram a justitia com as próprias mãos. O Estado assumiu a defesa da ordem pública, administrando a justiça e, conforme o desenvolvimento, ampliou suas atividades e suas funções principais passaram a ser a mantença da ordem, da segurança e da preservação dos bens sociais.

A instituição incumbida de exercer essas importantes funções chama-se Polícia.

Nesse sentido, conforme doutrina de Jefferson Moreira de Carvalho:

O desenvolvimento humano ou da sociedade foi formando regras de condutas e procedimentos que deveriam ser adotados para a repressão da conduta anti-social ou criminosa. Deste desenvolvimento, a princípio desorganizado, surgiram, ao longo dos tempos os Códigos. E assim, com a existência de um procedimento organizado, a punição e a vingança pessoal desforra por parte da vítima ou de seus familiares, o Estado começou a tomar para si o direito exclusivo de punir[2]·.

Imperativo do homem em sociedade, a Polícia, com ela (sociedade) evoluiu e não há como se precisar o seu aparecimento.

Objetivando caracterizar a evolução da polícia, doutrinadores propõem a divisão em três períodos: o barbárico, de vingança privada e autodefesa; o de formação do Estado, imperando o bem comum e o período onde a Polícia se tornou um ramo do poder público.

A primeira organização policial que se tem notícia é a dos romanos, 63 a. C. A 14 a. C. O Edil era o chefe de polícia, autônomo no exercício de suas funções, em que pese a índole guerreira dos romanos estes não suportavam soldados no interior das muralhas, para policiar suas cidades. Para alguns historiadores somente em Roma pode ser encontrada uma organização policial semelhante às atuais, ou seja, precisamente instituída e planejada para propiciar segurança e tranquilidade aos cidadãos. À época de Augusto, Roma, com um milhão de habitantes, optou pela criação de um corpo policial hierarquizado objetivando conter a violência[3].

Para o historiador Lê Clère, por exemplo, existe o registro de atuação policial por volta de 3.000 a. C., no antigo Egito [4].

Tanto na Bíblia como nos livros de História ou na literatura universal existem diversas referências às forças auxiliares dos soberanos na defesa da ordem. Certo que não se apresentavam como organismos estruturados eram, em verdade, instruídos a mantença da ordem e ao cumprimento das determinações dos soberanos mais voltados, assim, na proteção direta dos interesses pessoais e familiares dos reis e soberanos.

Exemplo cristalino podemos extrair do Gênesis 12:20 onde nesta passagem bíblica constatamos: "E Faraó deu ordens aos seus guardas a respeito dele, os quais o despediram a ele, e a sua mulher, e a tudo o que tinha". Certo que, no Cântico dos Cânticos as ilustrações são inúmeras.

Nos séculos X e XI, os normandos, ao norte da França, lançaram severos regulamentos de polícia, objetivando a paz pública.

Consideram os autores, em aparente unanimidade, que o primeiro embrião de uma polícia profissional, arregimentada, organizada e paga pelo Estado, somente despontou na Europa do século XIII, sediada na França, mais precisamente em Paris. Criada por Luis IX, a polícia parisiense era dirigida por um superintendente, o preboste [5].

Nos séculos seguintes a tendência foi o aprimoramento com adoção de medidas que visavam a otimização da força policial e, uma das que se destacam em termos qualitativos é a exigência fixada por intermédio das Leis de 1546 e 1583 de prévia seleção à contratação dos candidatos a policiais, mediante exames e comprovação de antecedentes cívicos.

Assim em 1549, em Paris a polícia foi aperfeiçoada a tal ponto que nascia ali a chamada marèchaussée[6] e seus membros conhecidos como gendarmes, até hoje.

Este modelo francês irradiou-se pela Europa.

A Revolução Francesa reivindicando os direitos do homem e do cidadão modificou a estrutura da organização policial francesa e definiu, no Código dos Delitos e das Penas, a missão da polícia, afirmando que ela é instituída para manter a ordem pública, a liberdade, a propriedade, a segurança individual. E resume que a sociedade em seu conjunto é o objeto do cuidado da polícia.

Em 1795 criou-se na França uma polícia especializada, focada na investigação de crimes, denominada expressamente "Polícia Judiciária". Sua existência fundava-se na investigação dos delitos, na comprovação da autoria e suas circunstâncias possibilitando ao Poder Judiciário a aplicação da pena. Tem-se esta passagem histórica criada pela Lei 3 do Brumário do ano IV, como sendo a Certidão de Nascimento da Polícia Judiciária.

Na Inglaterra houve áspera rejeição ao modelo francês. Em 1785, no Daily Universal Register, foi efetivado o seguinte registro "Nossa Constituição não pode admitir nada que se pareça com a polícia francesa; e muitos estrangeiros nos declararam que preferiam deixar seu dinheiro com um ladrão inglês à suas liberdades nas mãos de um tenente de polícia."[7]

Numa admirável inovação a Inglaterra fundou em 1829 a Polícia Metropolitana de Londres, simplesmente Met, glamourosamente conhecida como Scotland Yard. O título Scotland Yard teve origem no nome do edifício que lhe serviu de sede que, era um palácio que abrigava reis escoceses quando de suas visitas a Londres. O que para a época era sensível inovação para a sociedade e a ordem pública acabou sendo atacada pela imprensa e pelo povo.

Os policiais eram chamados de bobbies [8] ou mercenários, acusados de exercer poderes arbitrários. Passado algum tempo tornou-se uma polícia respeitada em todo o mundo.

Nos Estados Unidos da América restou desenvolvido, em atenção às suas peculiaridades e história, um sistema próprio de policiamento. Contudo, a princípio ainda estavam ligados ao sistema bretão, assim, somente no século XIX, com a independência é que começaram a surgir os corpos policiais profissionais. Os EUA contavam, já em 1829, com agentes policiais federais que tinham a missão de dar efetividade a Lei Postal. Em 1844, foi criada em Nova York, a primeira polícia municipal civil americana e, este modelo alastrou-se para demais cidades. O FBI (Federal Bureau of Investigation) foi fundado em 1874 como uma repartição do Departamento de Justiça.

Em Portugal, o Marquês de Pombal, através do Alvará de 25 de junho de 1760, criou o cargo de Intendente Chefe de Polícia e esboçou uma polícia regular.

No Brasil a evolução da Polícia esteve ligada à evolução da Polícia de Portugal.

2.1 O vocábulo Polícia

O vocábulo polícia tem etimologicamente origem grega e vem de politeia, significando governo de uma cidade, qualidade e direitos do cidadão, vida e administração de home de Estado, autogoverno dos cidadãos. Do grego passou para o latim - politia. Em Roma a latinização do vocábulo manteve os mesmos significados.

De Plácido e Silva assim se manifesta "Polícia: derivado do latim politia, que procede do grego politeia, originariamente traz o sentido de organização política, sistema de governo e, mesmo, governo. Assim, por sua derivação, em amplo sentido, quer o vocábulo exprimir a ordem pública, a disciplina política, a segurança pública, instituídas, primariamente, como base política do próprio povo erigido em Estado”.[9]

Com o passar dos tempos o termo" polícia passa a significar a atividade administrativa tendente a assegurar a ordem, a paz interna, a harmonia e, mais tarde, o órgão do Estado que zela a segurança dos cidadãos.[10]

No Código dos Delitos e das Penas, o seu art. 16, assim a define:

A Polícia é instituída para manter a ordem pública, a liberdade, a propriedade, a segurança individual. Sua característica é a vigilância. A sociedade considerada no seu conjunto é o objeto do seu cuidado - 1795.

2.2 A fundação da Polícia Civil no Brasil

A breve análise da linha histórica atinente a organização policial herdada pelos portugueses observa-se o pouco interesse organizacional na atividade policial. A princípio, constata-se pela história de Portugal, que a função policial era exercida por pessoa de confiança do Rei. Dalmo de Abreu Dallari assim justifica "exerciam grande influência, mas concebidos praticamente como agentes pessoais da coroa portuguesa. Eram homens de confiança do rei, designados para executarem determinadas tarefas, sem uma clara definição de competência, sem uma prévia delimitação de atribuições"[11].

Em 1760 foi criada a Intendência Geral de Polícia de Portugal, quando D. João V determinou que o Poder Judiciário seria independente do Poder Executivo, conferindo plenos poderes ao intendente de Polícia.

A chegada ao Brasil de D. João VI implicou na importação desta figura policial, nestes termos não muito delineados. Assim, a partir do século XIX surge a figura do Intendente de Polícia, com inúmeros poderes concedidos pelo Rei. Seu limite encontrava respaldo na própria vontade real.

O Intendente de Polícia passaria a substituir os quadrilheiros, os alcaides e capitães-mores.

O Príncipe Regente assinou o Alvará de 10.5.1808 criando, a exemplo do que existia em Portugal, o cargo de Intendente-geral da Polícia do Brasil. Para muitos o "primeiro sopro de vida institucional" [12] da Polícia no Brasil. Até o surgimento deste Alvará a segurança pública estava nas mãos dos governadores das Capitanias. O Brasil recebeu, então, a centralização organizacional da Polícia, que passou a concentrar-se nas mãos do Rei.

Para o cargo de Intendente Geral de Polícia, o rei D. João VI nomeou o Desembargador Paulo Fernandes Viana, considerado o "fundador da Polícia Civil no Brasil", função que exerceu desde sua nomeação no Alvará de 1808 até 1821. Reconhecido por todos pela correção e rigor em suas atividades funcionais, no interesse de manter a ordem, Paulo Viana, não poupava nem mesmo o Príncipe D. Pedro I.

Até então, sob a égide das Ordenações Filipinas atuavam no Brasil, como auxiliares dos Juízes, exercendo funções semelhantes às dos policiais os alcaides[13], os quadrilheiros[14] e os capitães-mores. A figura do capitão-mor surge, precisamente, nos séculos XVII e XVIII com poder oriundo dos Capitães das Capitanias e seus Governadores. Ao capitão-mor cabia o poder militar e policial, enfim, a defesa e a segurança da Capitania.

Consoante o historiador Desembargador Antonio de Paula "Foi pelo Alvará de 10 de maio de 1808 que as autoridades policiais assim representantes do Intendente Geral em cada uma das Províncias do Império receberam o nome de"Delegados dos Intendentes", num primeiro momento e, posteriormente, Delegados de Polícia, denominação ainda vigente"[15].

O Alvará contou com o Aviso Real de 22 de junho de 1808, onde foi criada uma Secretaria de Polícia e disciplinada a criação de cargos de Comissário de Polícia.

Notadamente, devemos considerar que o Rei Felipe II, então rei de Portugal e Espanha era considerado um político habilíssimo e, assim, visando não desprezar as leis tradicionais que regiam Portugal e as Ordenações anteriores determinou que as Ordenações Filipinas respeitassem as leis precedentes que vigiam em Portugal e, assim, refundiu todas as Ordenações anteriores na Ordenação Filipina.

Desta feita, após a independência do Brasil, com a proclamação da Constituição de 1824 começou a ser delineada as competências e as atribuições da Polícia.

Em 1827 foram criados os juizados de paz no Império, concentrando as atividades policiais, preventivas, repressivas e probatórias nas mãos dos juízes de paz. Esta Lei alterou o quadro policial extinguindo a figura do Intendente Geral de Polícia e criando no seu lugar o cargo de Chefe de Polícia.

Assim, os juízes de paz acumulavam atribuições policial e judiciária e substituíram, na função policial, os Delegados de Polícia e Subdelegados, cujos cargos foram suprimidos em 1832. Subordinados aos juízes de paz estavam os inspetores de quarteirão.

Esta duplicidade de funções gerou inúmeros abusos e, consequentemente, desencadearam movimentos revolucionários no período de 1830 a 1840. Temos como exemplo a Cabanagem (1835), a Balaiada (1838), Farrapos (1835), Anselmada (1838). A revolta tinha motivo, pois cabia aos juízes até mesmo a aplicação da pena de degredo.

O Código de Processo Criminal do Império, de 1832, elaborado pelos liberais, suprimiu a figura do Delegado de Polícia e prestigiou os juízes de paz. Alegavam a existência do cargo desnecessária e fundamentavam com o fato de que os Delegados não eram cargos eletivos.

Ocorre que, as então autoridades policiais não tinham força suficiente para lidar com os coronéis, nem mesmo manter a ordem e, assim eram manipulados pelos coronéis em seus "currais eleitorais" no Brasil Império.

A negatividade pública desta situação tornou-se reconhecimento imperativo. Assim, inafastável a necessidade da volta do cargo de Delegado de Polícia.

Foi nesta conjuntura que ocorreu a apresentação do Projeto de Lei do Deputado Bernardo Pereira de Vasconcelos, transformado na Lei 216, de 3 de dezembro de 1841.

A Lei 261 reformou o Código de Processo Criminal e recriou o cargo de Delegado de Polícia que passou a ser nomeado pelo Governo.

Somente com a edição da Lei 261, de 3 de dezembro de 1841 que surgiu um embrião de identidade e hierarquia para a Polícia. A Lei 261 e seu Regulamento nº 120, de 31 de janeiro de 1842 criaram uma estrutura organizada de Polícia e, ali foi criada, pela primeira vez em nossa história a figura do Delegado de Polícia.

A Lei 261 de 1841 criou no município da Corte e nas Províncias um cargo de Chefe de Polícia, escolhido dentre Desembargadores e Juízes de Direito, também o cargo de Delegados e Subdelegados e, segundo o art. da Lei 261 de 1841 e art. 25 de seu Regulamento nº 120, deveriam, ser "escolhidos dentre quaisquer juízes e cidadãos, após as necessárias observações, informações, documentos e esclarecimentos que justificassem a idoneidade dos propostos, mas eram amovíveis e obrigados a aceitar o cargo". Esta Lei conferiu atribuições de polícia judiciária.

A regulamentação desta Lei ocorreu com o Decreto nº 120, de 31 de janeiro de 1842 e este delineou o inquérito policial, como sendo um instrumento formal de investigação da infração penal, de sua materialidade, circunstâncias e esclarecimento e imputação de autoria. Aos Delegados incumbia a atribuição de remeter aos juízes os dados coletados, as provas obtidas, bem como um relatório contendo a análise pessoal do Delegado.

A nota significativa desse sistema foi a imposição de deveres de escrituração das averiguações, às autoridades que as procedessem. Quando a autoridade que procedesse às primeiras averiguações não fosse a responsável pelo sumário de culpa (juízes), deveria escriturar os informes obtidos, a fim de que pudesse remeter tal material aos juízes com competência para a formação da culpa. Assim, cabia tal dever de documentação a todos aqueles que compunham a hierarquia policial: dos Chefes de Polícia aos Subdelegados.

Não parece equivocado, nestes termos, vislumbrar, nessa tarefa de documentação do resultado do trabalho de apuração, o germe do inquérito policial, que viria a surgir com esse nome, por meio do Decreto Regulamentar nº 4824, de 22 de novembro de 1871.[16]

Em 1871, com a Lei 2033 foi atribuída especificamente às autoridades policiais a incumbência de proceder às diligências necessárias ao descobrimento dos delitos, suas circunstâncias e sua autoria, formalizando-as em autos de Inquérito Policial. Esta Lei foi regulamentada pelo Decreto nº 4824, de 22 de novembro de 1871.

Logo após a Proclamação da República desenvolveram-se os princípios norteadores da criação da Polícia de carreira. No Estado de São Paulo, Cardoso de Almeida, então Secretário do Interior e Justiça propôs ao Presidente do Estado, Jorge Tibiriçá, a instituição da remuneração na Polícia, compondo, assim, a carreira profissional.

Enfim, a criação da carreira de Delegado de Polícia veio a lume pela Lei 979, de 23 de dezembro de 1905 que instituiu as classes, em cinco, sendo as 1ª, 2ª e 3ª classes, obrigatoriamente, compostas por bacharéis em Direito e, as duas últimas integradas referencialmente por bacharéis. Na mesma época estruturou-se a formação de departamentos, gabinetes e delegacias.

Efetivamente, o Decreto 4405-A, de 1928 pode ser considerado como o ponto substancial na história da Polícia Civil. Através deste Decreto

(...) instituiu-se o Regulamento Policial do Estado, norma de caráter substantivo e adjetivo, dotado de dispositivos que transcenderam a estrutura de órgãos e unidades, as atividades administrativas e as atribuições das autoridades, abrangendo postulados processuais de polícia judiciária e do sistema prisional.[17]

2.3 Criação da Polícia de carreira no Estado de São Paulo

Jorge Tibiriçá, então Presidente do Estado de São Paulo, em 7 de abril de 1905 enviou mensagem ao Congresso propondo a criação oficial da polícia civil de carreira. Convém destacar que, em 1903, Cardoso de Almeida que era Chefe de Polícia em São Paulo elaborou minucioso relatório da polícia paulistana, informando as necessárias alterações em sua estrutura, motivo pelo qual muitos o consideram um dos precursores da Polícia.

O projeto de lei, elaborado pelo deputado Herculano de Freitas, permaneceu na Assembleia Legislativa por oito meses.

A Exposição de Motivos do projeto assim dispunha:

(...) para melhorar o funcionamento das instituições policiais, urgia estabelecer a polícia de carreira, incumbindo do serviço pessoal escolhido, de aptidões especiais, mediante um regular sistema de promoções, que permitia obter, nos cargos superiores, o concurso de auxiliares experientes, conhecedores, pela prática, de todas as particularidades do importante ramo da administração pública, destinado a manter a segurança individual.[18]

O objetivo era cristalino: libertar o poder de polícia das influências políticas, o que era uma constante numa época de muita interferência nas atividades policiais.

Consoante o projeto de instituição da polícia de carreira, Jorge Tibiriçá, tinha ali calcado três objetivos primordiais:

1º. Incumbir o serviço policial a pessoal escolhido, de aptidões especiais, isto é, bacharéis em Direito;

2º. Estabelecer um regular sistema de promoções, que permitisse obter, nos cargos superiores da carreira pessoal experimentado, conhecedor de todas as particularidades desse importante ramo da administração pública que é a polícia;

3º. Libertar o poder de polícia das influências políticas e de outras interferências estranhas.[19]

Herculano de Freitas, então líder do Governo, na defesa do projeto ressaltava na tribuna:

(...) até agora os cargos de delegado de polícia, com alguma exceção, são exercidos, em regra, gratuitamente, não constituem, em consequência, uma profissão. Os cidadãos, patrioticamente, prestam esse serviço indispensável extraordinário à ordem e ao interesse público, independente de qualquer remuneração".[20]

Mesmo diante de toda oposição sofrida o projeto foi encaminhado à Comissão de Justiça para aperfeiçoamento, haja vista que, o projeto extinguia os cargos de delegados em municípios que não fossem sede de comarca. Surge emenda substitutiva e o projeto vai à segunda votação.

A oposição representada pelo deputado Fontes Júnior tenta impugnar o projeto. O cerne da questão era a temerária" vitaliciedade disfarçada "dos Delegados de Polícia. Para os opositores isto iria impossibilitar a remoção ou a exoneração dos Delegados quando bem lhes aprouvesse. Assevera, ainda, que" o cargo de delegado de polícia era de absoluta confiança do governo e o projeto atava as mãos da administração ".[21]

Numa segunda votação os deputados Oliveira Coutinho e Joaquim Augusto defendem o projeto objetivando uma polícia com maiores garantias e mais preparo. É aprovado.

Era necessário três votações sucessivas, consoante os trâmites legislativos.

A terceira votação correu tranquilamente, sem debates. Aprovado.

Jorge Tibiriçá, em seu discurso manifestou o que desejava para a Polícia paulista:

Polícia sem política e, portanto, imparcial; remunerada e, por consequencia, podendo aplicar toda a sua atividade à prevenção e repressão dos delitos; e com competência profissional, isto é, com conhecimentos especiais de Direito e Processo, indispensáveis em quem tem de garantir a liberdade, a honra, a vida e a propriedade.[22]

2.4 O Estado e a apresentação de sua face: a Polícia

Em todo o mundo, a Polícia se apresenta, indubitavelmente, como sendo a face mais imperiosa do Estado.

Como consectário dessa premissa temos que suas variáveis positivas ou suas falhas e inadequações resultam potencialmente do próprio Estado tal qual como se apresenta. Destarte,

Por óbvio que não poderia ser avistada em um Estado totalitário uma força policial talhada a proceder dentro de padrões peculiares aos Estados democráticos. Mesmo quanto a esses, e nessa mesma linha, expressivas variações de condutas poderão ser igualmente detectadas, bastando tomar-se como medida o efetivo grau de cidadania conquistado e vivenciado pelas respectivas populações[23].

Nas lições de Antonio Beristain esta visão se torna muito lúcida quando assim leciona:" dize-me que polícia tens e eu dir-te-ei que democracia alcançaste ".

Nessa esteira devemos tecer a sincera percepção do entrelaçamento, da simbiose, entre a Polícia e o Estado, até mesmo porque ela é o braço armado do poder estatal. Ademais, é cristalina a identificação entre Estado e Polícia, de tal forma que suas posturas e ações revelam a matriz política de suas atividades, como simples manifestação do poder do Estado.

Nesse diapasão, os movimentos realizados pela Polícia, quer positivos ou ofensivos aos direitos humanos, vão de encontro com as necessidades e os valores adotados pelo Estado, dando vazão à ordem ditada pelos titulares do poder.

Numa lição brilhante a respeito da Polícia assim se manifestou o mestre Diogo de Figueiredo Moreira Neto" voltada a impregnar axiologicamente o poder, orientá-lo na prossecução dos seus fins e estabelecer os meios para alcançá-los”.[24]

3. Panorama histórico do Inquérito Policial no ordenamento pátrio

O Inquérito Policial tem sua origem relacionada ao sistema romano-germânico que disciplinou a legislação portuguesa. Nosso sistema normativo penal, assim entendido como o conjunto de normas que vigoraram no Brasil, possui origem no direito português que influenciou na estrutura e formação da legislação penal brasileira.

Considerando-se a condição de colônia o Brasil aplicava o ordenamento jurídico português. Destarte, enquanto Colônia vigoraram no Brasil as Ordenações Afonsinas, Manuelinas e, na época em que Portugal foi dominado pela Espanha, vigorou a Ordenação Filipina. "As Ordenações não se caracterizavam como Códigos, mas como uma coletânea de leis que eram distribuídas em livros e cujo conteúdo versava sobre os vários ramos do Direito".[25]

As Ordenações Afonsinas foram promulgadas em 1446, por D. Afonso V, estruturada no direito canônico, romano e costumeiro. Naquela época imperava a crueldade das penas, inexistia o direito de defesa e nem se cogitava do principio da legalidade.

Estas normas provenientes das Ordenações Afonsinas vigeram até 1514, encerrando logo nos primeiros anos após a chegada dos colonialistas. Na sequência foram editadas outras Ordenações. A posterior foi a Manuelina de 1514, de D. Manuel, também chamado de "O Venturoso". O Livro atinente ao Direito Penal permaneceu no Livro V e vigorou por quase cem anos, precisamente, até 1603.

A cada Ordenação subsequente havia a recepção da anterior e informavam acréscimos às leis e, assim, destacou-se o Livro V das Ordenações Filipinas, pois representava uma sistematização das normas anteriores e algumas inovações.

As Ordenações Filipinas de 1603, de Felipe II, rei da Espanha que à época também reinava sobre Portugal teve vigência até mesmo depois que Portugal restaurou sua independência. E, em 1792, no Brasil, sob a égide das Ordenações Filipinas, foi punido o mártir da independência, Joaquim José da Silva Xavier.[26]

Sob o comando das Ordenações Filipinas atuavam no Brasil, como auxiliares dos Juízes e exercendo funções semelhantes às dos policiais os alcaides, os capitães-mores, que possuíam poder oriundo dos Capitães das Capitanias e os quadrilheiros.

Este Livro vigorou no Brasil durante o período colonial e foi substituído quando da outorga da Constituição de 1824 que estabelecia a necessidade de elaboração do Código Criminal que só veio em 1830.

À época o fato delituoso era apurado no curso do processo e de forma inquisitiva, predominando o sistema de provas nos quais de admitiam os tormentos como meio legal de se conseguir a confissão do crime. As Ordenações do Reino constituíram o primeiro sistema jurídico do Brasil, tratando de matéria de Direito Penal e Processual Penal.

De uma breve leitura das Ordenações observa-se que a pena tinha um caráter provisório voltado ao aguardo da pena definitiva e, principalmente, visando o pagamento de pecúnia. A severidade e crueldade das penas revela-se com tom marcante destacando-se a pena do degredo, a de morte, os castigos, e todos os tormentos tais como o suplício, a forca ou o fogo.

Em Portugal havia o cargo de intendente-geral da Polícia e, seguindo este exemplo, o Príncipe Regente, através do Alvará de 10.5.1808, criou o cargo de intendente-geral da Polícia no Brasil. Convém relembrarmos que antes da criação deste cargo a segurança nas capitanias hereditárias era organizada da maneira que melhor aprouvesse os donatários das Capitanias Hereditárias, afinal dependia diretamente destes.

Destarte, "a polícia ganhou o primeiro sopro de vida institucional com o Alvará de 10.05.1808".[27] Foi sem dúvida com a criação da intendência que desenvolveu a centralização da atividade policial, ainda que iniciante, nas mãos do Governo.

O certo é que com a proclamação da independência diversas medidas processuais foram criadas através de denominados Atos. Desta feita, o Ato nº 58, de 26.2.1824 recomendava não expedir Alvarás de fiança a salteadores presos; o Ato nº 63, de 08.3.1824 determinava processar escrivão que protelasse o andamento dos processos de presos miseráveis; o Ato 78, de 31.3.1924 determinava a fundamentação da sentença e, pelo Ato 81, de 02.4.1824 impedia que o Juiz da devassa (atual Inquérito Policial) julgasse a causa. Todos estes Atos anteciparam disposições que comporiam o futuro Código de Processo Criminal de 1832.

A legislação processual esparsa antecipou o Código de Processo Criminal.

A Independência do Brasil importou no acolhimento em nosso sistema jurídico dos pensamentos iluministas europeus e no abandono dos ditames dos grandes reinos medievais. Começava aí um sopro de dignidade no nosso ordenamento que se mostrava ainda embrionário. E, consequentemente, a pena passou a ser vista como um meio de reeducação para o condenado.

Convém aqui relembrarmos um trecho da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, admitidos pela Convenção Nacional de 1793:

O povo francês convencido que o esquecimento e o desprezo dos direitos naturais do Homem, são as únicas causas das infelicidades do mundo, resolveu expor numa declaração solene estes direitos sagrados e inalienáveis, a fim de que, todos, os cidadãos, podendo comparar sem cessar os atos do governo com o fim de toda a instituição social, não se deixem jamais oprimir e aviltar pela tirania: para que o Povo tenha sempre diante dos olhos as bases de sua liberdade e de sua felicidade, o Magistrado, a regra de seus deveres, o legislador, o objeto de sua missão. Em consequencia, proclama, na presença do Ser Supremo, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão seguinte:

I - O fim da sociedade é a felicidade comum. O governo é instituído para garantir ao homem o gozo destes direitos naturais e imprescritíveis.

II - Estes direitos são a igualdade, a liberdade, a segurança e a propriedade.

III - Todos os homens são iguais por natureza e diante da Lei.[28]

Com o advento da primeira Constituição Imperial (1824) o sistema de investigação dos delitos permaneceu inalterado. Contudo, no tocante a pena passou a viger alguns princípios tais quais os de igualdade perante a lei, a abolição dos açoites, das marcas de ferro quente e as cruéis.

E foi neste panorama que a Lei de 13 de outubro de 1827 criou o cargo de Juiz de Paz atribuindo-lhe exclusivamente as funções da administração policial.

A inalterabilidade do sistema perdurou. E, em 1832, precisamente dez anos após a Proclamação da Independência do Brasil e oito anos após a primeira Carta Política do Império surge o Código Criminal de Primeira Instância. A legislação não se preocupou em atender às expectativas de criação do Inquérito Policial.

O responsável exclusivo pelas funções atinentes à formação da culpa, reunindo evidências do delito ou de condutas supostamente ilícitas, indiciamento do criminoso, oitiva de testemunhas, interrogatório do acusado, prisão e apresentação do acusado ao juiz criminal continuava sendo o Juiz de Paz. Era o que disciplinava o art. 12, parágrafo 4º, do Código Criminal.

Destarte, historicamente, a investigação dos crimes e a apuração de sua autoria competia aos Juízes de Paz que eram agentes políticos. Esta situação perdurou até o dia em que o Imperador entendeu por bem concentrar e deter estas funções, assim, transferindo-as à Polícia.

O processo penal no Império foi se modificando ao longo do século XIX.

Foi somente em 3 de dezembro de 1841, com o advento da Lei 261 que foi criado o cargo de Chefe de Polícia, Delegado e Subdelegado em cada província da Corte, com atribuições para investigar o crime, formalizar o conjunto probatório e os esclarecimentos necessários a respeito do delito e sua autoria. Desta feita, a Lei referida foi regulamentada em 31.1.1842 e criou a figura do Delegado de Polícia, estruturando a hierarquia policial.

E as alterações trazidas pela Lei 261 e sua regulamentação reputaram de tamanha envergadura que forneceram as feições que o processo criminal brasileiro possui até esses dias.

A Lei 261, de dezembro de 1841 bem como sua regulamentação acabou instituindo a obrigação de formalizar e escriturar as averiguações presididas pelos Delegados de Polícia, encaminhando-as à autoridade judiciária local.

Tratava-se, pois, de uma fase embrionária do inquérito policial, que já se apresentava com características de preliminar processual e inquisitiva.

Vingou esta legislação por quase trinta anos quando, então, incorporadas pelo Processo Penal brasileiro, quando do advento da Lei 2.033, de 20.9.1871 que foi regulamentada pelo Decreto-Lei nº 4.824, de 22.11.1871. Foi nesta oportunidade que os atos praticados visando elucidar o crime e sua autoria, comprovando a materialidade do delito, receberam o nome de inquérito policial, tendo sido disciplinados pelo art. 42.

Preceituava o art. 42, do Decreto-Lei 4.824 de novembro de 1871:

O inquérito policial consiste em todas as diligencias necessárias para o descobrimento dos factos criminosos, de suas circunstancias e dos seus autores e complices; e deve ser reduzido a instrumento escripto[29].

Adiante, em seus nove parágrafos observam os procedimentos de praxe, o modo de proceder a requisição do exame de corpo de delito, disciplinando o interrogatório, a necessidade de juramentar a testemunha, o meio de notificação das testemunhas, o despacho da autoridade policial e a remessa ao Juiz Municipal ou ao Promotor Público.

Desta lei surgiu oficialmente o inquérito policial em toda sua estruturação. É inegável que a estruturação configurada na reforma do processo penal de 1871 quase não implicou em alterações no inquérito policial tal qual o temos nesta época.

Reputa-se a importância do cargo de Delegado de Polícia desde aquela época onde, preceituava o Decreto-Lei em seu art. 9º:

Os Chefes de Policia poderão ser nomeados d'entre os Desembargadores e Juizes de Direito, que voluntariamente se prestarem, ou d'entre os doutores e bachareis formados em Direito, que tiverem pelo menos quatro annos de pratica do fôro ou de administração.[30]

Surgiu então o Código do Processo do Império do Brasil.[31]

A reforma legislativa processual penal de 1871 importou em sensíveis alterações na estrutura do processo crime e, principalmente, na caracterização do inquérito policial. Podemos, ainda, afirmar que pouco desta estrutura de 1871 foi modificada ao longo dos anos.

A abolição da escravatura, o advento da República, o fim das penas infames, considerando-se que nenhuma pena poderia ultrapassar o lapso de trinta anos, passou-se a aceitação da prisão cautelar, da interdição, da pena de perda do cargo público, da pena de multa. E nestas bases históricas a Constituição de 1891 incorporou alguns princípios fundamentais precisamente o de que nenhuma pena passaria da pessoa do delinquente; a sentença somente poderia ser prolatada por autoridade competente, o processo seria com base em lei anterior que regulasse o crime, ainda, aboliu as penas de galés, de banimento e a pena de morte, permitindo-a somente para os casos de crimes militares, em tempo de guerra.

A primeira Carta Republicana de 1891 tentou extinguir a unidade processual, estabelecendo competência aos Estados para legislar em matéria criminal, civil e organização judiciária. E, ainda, assim, os Estados continuaram a adotar o inquérito policial. Ocorre que, em 1934 a União restaurou sua competência para legislar em matéria processual, através da Constituição de 1934.

Antes desta restauração de competência, precisamente em 1924, diante da possibilidade constitucional, surgiu o Código de Processo Penal do Distrito Federal. Este demonstrou ser o Código que maior alteração importou ao inquérito policial, assim, aboliu o nome inquérito substituindo-o por investigação.

Com poucas exceções insignificantes o certo é que o inquérito policial permaneceu inalterado.

O cenário político de vigência das Cartas de 1934 e 1937 marcou a apresentação de alguns projetos de lei visando a alteração do Código de Processo Penal e propugnavam pela extinção do inquérito policial e implantação do Juizado de Instrução.

O projeto que vislumbrava a instalação do Juizado de Instrução e o fim do inquérito policial era "patrocinado" pelo então Ministro da Justiça e dos Negócios Interiores, Vicente Ráo.

Contudo, estes projetos sequer chegaram a ser discutidos devido ao golpe de 1937 e, em 3 de outubro de 1941 foi promulgado o Código de Processo Penal, já sob a égide de outro Ministro que encampava a pasta, o Ministro Francisco Campos.

Este Código orientava-se pelo sistema acusatório e estava sedimentado na tradição canônica, afastava, assim, o modelo europeu do Juizado de Instrução e assegurava o princípio do contraditório na fase judicial, mantendo o inquérito policial nas mãos da Polícia Judiciária, em seu art. 4º.

Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria."[32]

Na visão do Ministro Francisco Campos é o inquérito policial" uma garantia contra apressados e errôneos juízos, formados quando ainda persiste a trepidação moral causada pelo crime ou antes que seja possível uma exata visão de conjunto dos fatos, nas suas circunstâncias objetivas e subjetivas ". [33]

De modo marcante e excepcional temos um breve relato de seu discurso quando da promulgação do Código:

Foi mantido o inquérito policial como processo preliminar ou preparatório da ação penal, guardadas as suas características atuais. O ponderado exame da realidade brasileira que não é apenas a dos centros urbanos, senão, também a dos remotos distritos das comarcas do interior, desaconselha o repúdio do sistema vigente.

O preconizado juizado de instrução, que importaria limitar a função da autoridade policial a prender criminosos, averiguar a materialidade dos crimes e indicar testemunhas, só é praticável sob a condição de que as distâncias dentro do seu território de jurisdição sejam fácil e rapidamente superáveis. Para atuar proficuamente em comarcas extensas, e posto que deva ser excluída a hipótese de criação de juizados de instrução em casa sede do distrito, seria preciso que o juiz instrutor possuísse o dom da ubiquidade.[34]

O certo é que, a investigação policial, constituída numa fase extrajudicial e presidida por autoridade policial foi mantida no nosso sistema processual penal e recepcionada pelas Constituições Federais posteriores.

O Código de Processo Penal de 1941 não só foi recepcionado pela Carta Magna de 1988 como também restou mantido todo o sistema da persecução penal"como instrumento de defesa do estado, na consecução de seus objetivos, desenvolvida pela Polícia Civil e Federal".[35]

Neste diapasão o Texto Constitucional de 1988 recepcionou o Código de Processo Penal de 1941, manteve a persecução penal a ser desenvolvida pelas Polícias Civil e Federal e atribuiu de forma exclusiva a presidência do inquérito policial e a condução das investigações policiais aos Delegados de Polícia.

3.1 Aspectos da Lei 261, de 1841 e a criação de fato do Inquérito Policial

Questão controvertida surge quando se trata da criação do inquérito policial. Funda-se a controvérsia em especificar se criado na Lei 261, de 1841 ou se teve seu nascedouro na Lei 2033 de 1871.

Na visão do doutrinador João Mendes de Almeida Junior o inquérito policial surgiu em 1841. Nos ensinamentos de Roberto Maurício Genofre, citando o doutrinador temos a seguinte conceituação"o inquérito policial não é, como muitos tem afirmado, uma criação do Decreto 4824, de novembro de 1871. Esta suposição parte do esquecimento das antigas práticas do nosso processo criminal".[36]

A Lei 261, em seu art. , parágrafo 9º, determinava dentre as atribuições da autoridade policial:"remeter, quando julgarem conveniente, todos os dados, provas e esclarecimentos que houverem obtido sobre um delito, com uma exposição do caso e de suas circunstâncias, aos juízes competentes para a formação da culpa."

Para o ilustre Professor de Inquérito Policial da Escola de Polícia, Augusto Mondin, em seu Manual de Inquérito Policial:

Mais tarde é que surgiu o aludido Decreto 4.824, de 22 de novembro de 1871, a que alguns atribuem a criação do inquérito policial. Êsse decreto teve por fim regular a execução da Lei 2033, acima citada.

Estatuindo normas orientadoras da elaboração do inquérito policial, o Decreto nº 4824, se não o criou, estruturou-o porém, formalizou-o. Fê-lo sábia e minuciosamente, como se pode verificar pela leitura de vários de seus artigos, particularmente o art. 42, inserto na Seção denominada Inquérito Policial.

Escritas há mais de 80 anos, essas regras foram, em linhas gerais, consagradas pela vigente legislação processual brasileira.[37]

3.2 Aspectos da Lei 4248, de 1871 e a criação oficial do Inquérito Policial

Os princípios excessivamente liberais do Código de 1832, reflexo das ideias liberais das Revoluções da Inglaterra e França, mostraram-se ineficazes na repressão das desordens e dos crimes em diversos locais neste país.

Somando-se a isto a falta de formalidade estabelecida para o trabalho policial, durante o Império, culminou na obrigatoriedade da reforma judiciária de 1871 e o Imperador D. Pedro II prestigiou o projeto de Lei do Senador José de Alencar.

Propunha o projeto, a separação das atividades policiais e judiciárias e vedava aos Chefes de Polícia a" atividade jurisdicional ", assim, fortalecendo as atividades da polícia judiciária com a criação oficial do inquérito policial.

A criação oficial do inquérito policial concretizou-se com a Lei 2033, de 20 de setembro de 1871, a qual foi regulamentada pelo Decreto nº 4824, de 22 de novembro de 1871.

O art. 42, do Decreto 4824, de 1871, assim, empregava o termo inquérito policial.

O inquérito policial já foi definido pela lei. De fato, a Lei nº 2033, regulamentada pelo Decreto-Lei nº 4824, de 1871, que o introduziu oficialmente no mundo jurídico com essa denominação, em seu art. 42, dispunha:

O inquérito policial consiste em todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e de seus autores e cúmplices, devendo ser reduzido a instrumento escrito.[38]

O doutrinador José Frederico Marques enfatizou a criação do inquérito policial" como uma das instituições mais benéficas de nosso sistema processual, apesar das críticas infundadas contra ele ou pela demagogia forense, ou pelo juízo apressado de alguns que não conhecem bem o problema da investigação criminal. "[39]

3.3 Natureza jurídica do Inquérito Policial

Segundo Maurício Godinho Delgado"a pesquisa acerca da natureza de um determinado fenômeno supõe a sua precisa definição (como declaração de sua essência e composição) seguida de sua classificação (busca de posicionamento comparativo). Encontrar a natureza jurídica de um instituto do Direito consiste em apreender os elementos fundamentais que integrem sua composição específica, contrapondo-os, em seguida, ao conjunto mais próximo de figuras jurídicas, de modo a classificar o instituto enfocado no universo de figuras existentes no Direito".[40]

Não dispomos aqui de terreno suficiente para aportar as teses e discussões a respeito. Contudo, faz-se necessário trazer a lume o mínimo pertinente à compreensão do tema. A princípio podemos de plano estabelecer que a importância a respeito da natureza do inquérito policial pauta-se em creditá-lo como processo administrativo ou procedimento e reflete na questão, debatida adiante, da aplicação ou não dos princípios constitucionais, principalmente, do contraditório e ampla defesa.

Vale dizer, possui o inquérito natureza de processo administrativo, procedimento administrativo ou mero conjunto de atos administrativos? E, nessa esteira, à mercê do disposto no inciso LV, do art. , da Constituição Federal onde lê-se"aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes."dependendo do posicionamento adotado surgem os debates de se aplicar ou não o princípio do contraditório e ampla defesa ao inquérito policial.

Os argumentos são dos mais variados. E, adotando a síntese, podemos nos ater a dizer que os argumentos contrários à aplicação do contraditório e ampla defesa centram-se na característica inquisitiva do inquérito policial, ainda, na" pacífica "aceitação de que não se fala em acusado em sede de inquérito policial e isto não implicaria em qualquer forma de litígio. Seguem afirmando que em sede de inquérito fala-se somente em investigado.

Prosseguem argumentando que, para o constituinte pátrio o termo processo administrativo é referência a expedientes nos quais se discute direitos na esfera da Administração Pública e, donde pode advir um vitorioso ou não. E assim, afirmam que o inquérito policial é desprovido de tal caráter eis que não se afigura qualquer bem ou direito em jogo.

Podemos de plano lançar nossas críticas, afinal será mesmo que nenhum bem está em jogo? E a liberdade? Não configura esta um bem indisponível? Afinal, o investigado não pode ser tratado como objeto das apurações criminais. Mantém ele o status de pessoa humana, a quem devam ser assegurada as bases dos princípios do Estado Democrático de Direito.

De antemão podemos considerar que o inquérito policial não possui natureza jurídica de processo administrativo e nem mesmo de procedimento administrativo inicialmente

Assim, citando alguns mestres conseguimos ressaltar as contrariedades existentes a respeito da natureza do inquérito. Nesse diapasão Ada Pellegrini Grinover afirmou “considerando o inquérito um processo administrativo (...)”, José Frederico Marques assevera que “o inquérito policial não é um processo, mas um simples procedimento (...)” e, Rogério Lauria Tucci finaliza “(...) o inquérito policial é uma das modalidades de procedimento administrativo”. Discutem a natureza do processo e informam a inexistência de contraditório.

Outros, perseguem o cerne do Direito Administrativo para justificar seus posicionamentos a respeito da natureza do inquérito policial. E, em verdade, nem mesmo as autoridades em Direito Administrativo de nosso país conseguem concluir de forma congruente a respeito do tema.

O certo é que processo não pode ser. Este desencadeia uma sucessão de atos, necessária e obrigatória e o inquérito é livre para perseguir seus fins. A autoridade policia dispõe de múltiplos caminhos que poderá seguir.

Adiante, segue a discussão pautando-se na justificativa da existência, no inquérito policial, de atos jurisdicionalizados ou não e sua repercussão na natureza deste.

Podemos aceitar que não se trata de processo nem de procedimento, mas que possui sua vértebra central deitada em atos administrativos, presidido por autoridade administrativa.

Contudo, por mesclar eventualmente também atos jurisdicionalizados, chamados de incidente jurisdicionalizados, consistente em atos que devam ser resguardados de maior proteção jurídica pois atingem esfera de direitos do cidadão como por exemplo, busca domiciliar, interceptação de comunicação telefônica, quebra de sigilo bancário e fiscal, etc. Com tranquilidade acrescemos que o inquérito policial também agrega atos jurisdicionalizados.

Por derradeiro, concluímos tratar-se o inquérito policial de um conjunto de atos administrativos e jurisdicionalizados, estes incidentes, porém, deitados sobre a mesma coluna vertebral e unidos para a satisfação de um único objetivo que é a concretização do princípio da verdade real.

Nesse sentido o mestre André Rovegno:

(...) o inquérito policial compõe-se de um conjunto de atos, administrativos e jurisdicionais, os primeiros essenciais (alguns deles obrigatórios) e os segundos eventuais e acessórios, reunidos numa única pasta, em razão de comungarem da mesma finalidade: apurar a verdade sobre um fato aparentemente criminoso.[41]

3.4 Conceito de inquérito policial

"O inquérito policial consiste em todas as diligências necessárias para o descobrimento do fato criminoso, de suas circunstâncias e dos seus autores e cumplices"assim disciplinava o art. 42, do Decreto nº 4.824, de 22 de novembro de 1871.

Ao lado do tema referente à natureza jurídica do inquérito policial o conceito deste, forma questão de grandes divergências na doutrina. É pacífico em nossa doutrina que a maioria considera para a sua conceituação a finalidade do inquérito policial, fugindo, assim, de sua conceituação primeira, datada de sua criação oficial em 1871 e vinculando-o a uma finalidade única de servir de base de dados ao órgão acusatório.

Nessa esteira, diversos são os doutrinadores que tecem sua conceituação com espeque único na finalidade de fornecer elementos para a acusação, outros, por sua vez, emprestam-lhe tamanho desinteresse doutrinário que fincam seu conceito em" mera peça informativa ", ignorando sua importância e real finalidade.

Desarrazoadas e imprecisas, inúmeras, são as pretensas definições de inquérito policial, na maioria das vezes preceituada por quem jamais teve interesse em conhecer da história de seu surgimento, suas bases e finalidade.

Não nos convém, por falta de espaço e interesse, lançarmos aqui exemplos destes escritos.

O estrabismo que comanda a matéria é grosseiro, em que se pese a indiscutível autoridade de nossos conceituados doutrinadores, basta compilar livros de processo penal que encontramos, em sua maioria, estampado o pretenso conceito calcado no jargão" mera peça informativa "e, adiante, muitos enfatizam a sua serventia ao acusador.

A doutrina aponta outros conceitos menos tendenciosos. Senão vejamos, o mestre Dilermano Queiróz Filho que assim reputa o inquérito policial"instrumento pelo qual o Delegado de Polícia materializa a investigação criminal, compila informações a respeito da infração penal, de suas circunstâncias e resguarda provas futuras que serão utilizadas em juízo contra o autor do delito".[42]

Nesta conceituação constatamos a ênfase do autor em estabelecer a finalidade única de inquérito em colher provas a fim de utilizá-las futuramente contra o autor do delito. Esta não é função do inquérito policial. Muitas vezes a colheita de provas redunda em apontar em outra direção, ora informando que o suposto autor não cometeu o delito, ora apresentando a correta autoria delitiva. E mais, muitos os casos em que não há se falar em ação penal.

Para Câmara Leal o inquérito policial, no processo penal, possui duas acepções:

Em sentido material é o conjunto de atos, ordenados e disciplinados por lei, que constituem em cada caso criminal a sequência da atividade policial nas diligências que lhe competem. Em sentido formal, inquérito policial é a peça processual que mantém e autentica, em forma legal, os atos e diligências policiais, relativos a determinado caso criminal.[43]

De outro giro, alguns doutrinadores, buscam baseados numa sistemática técnica um modo mais preciso para conceituá-lo. Dentre eles, destacamos Augusto Mondim cujo conceito lançado em 1954, em seu Manual do Inquérito Policial, traduz com clareza solar o significado do inquérito policial.

O mestre da então chamada Escola de Polícia, do Estado de São Paulo, Augusto Mondin, assim define inquérito policial:

O registro legal, formal e cronologicamente escrito, elaborado por autoridade legitimamente constituída, mediante o qual esta autentica a suas investigações e diligências na apuração das infrações penais, das suas circunstâncias e dos seus autores.[44]

E concluímos com a colação do conceito de André Rovegno:

(...) é o expediente escrito, produzido pelo órgão de polícia judiciária competente onde são reunidas e documentadas todas as diligências levadas a efeito (e todos os resultados encontrados nessas diligências) durante a tarefa de esclarecer as circunstâncias de um fato que se apresentou inicialmente com aparência de ilícito penal passível de sancionamento, confirmando ou infirmando essa aparência inicial e, esclarecendo, se possível, na hipótese confirmatória, a autoria da conduta.[45]

3.5 A previsão do inquérito policial na Constituição Federal de 1988

Após a vitória na manutenção do inquérito policial na legislação processual penal e sua recepção pelas Constituições posteriores ao Código de Processo Penal notório foi o avanço na Constituição Federal de 1988, a chamada Carta Cidadã.

Como vimos a Polícia judiciária foi estruturada em 1842, através do Regulamento 120, de 31.1.1942, em seus arts. 1º e 3º que disciplinavam dentre outras atribuições proceder à formação da culpa do averiguado e ao corpo de delito.

No período Republicano, foi o art. , do Código de Processo Penal de 1941, que moldou sua estrutura identificando-a como sendo a atividade cuja primazia era a elucidação das infrações penais, mediante esclarecimento das circunstancias delitivas, sua autoria e materialidade.

A Constituição Federal de 1967 cometeu essa atividade tão somente à Polícia Federal, em seu art. , VI, c, ignorando a existência da Polícia Civil.

Em 05 de outubro de 1988, promulgada a Constituição Federal, inovadora em seus preceitos e garantias constitucionais houve a inserção no Título V, que trata da defesa do Estado e das instituições democráticas, um Capítulo dedicado a Segurança Pública.

Dentre o inédito prevê a Carta Magna, em seu art. 144, a inserção das Polícias Civis como órgãos de Segurança Pública, ao lado da Polícia Federal, ambas com as atribuições de polícia judiciária e, também, ambas estruturadas em carreira.

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

IV - polícias civis;

(...)

parágrafo 4º. Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração das infrações penais, exceto as militares.

Diante do preceituado a Constituição Federal repassou aos Estados a obrigatoriedade de estruturação da polícia judiciária e a institucionalização da carreira de Delegado de Polícia.

Vai além o texto constitucional e trata de institucionalizar o inquérito policial acolhendo-o como um instrumento formal da polícia judiciária.

É o inquérito policial, nos nossos tempos, um instrumento garantidor de uma apuração isenta, respeitoso aos interesses da acusação e da defesa mas que, faz preponderar o império da lei. Esta é a base de um Estado Democrático de Direitos.

3.6 Finalidade do inquérito policial

Na lição de Joaquim Canuto Mendes de Almeida, em sua doutrina dos Princípios Fundamentais do Processo Penal reportando-se ao jus puniendi:

Não surge disso (suposta prática de crime) uma pretensão do Estado à pena, mas uma pretensão do Estado à justiça penal, que tanto pode estar na condenação do criminoso, se realmente o tiver sido, como na declaração da legitimidade de seu ato, se não tiver sido criminoso. O poder público não litiga com o indiciado."[46]

Com maestria, lecionando sobre o poder punitivo do Estado, o mestre revela os parâmetros da condução de uma investigação criminal.

É o império da lei e a aplicação do princípio da verdade real que cotejados devam nortear o inquérito policial.

Daí o importante papel do inquérito policial. Conduzida por uma autoridade policial, a investigação policial não se confunde com a ação penal e tampouco com as ações ou funções constitucionais do Ministério Público. O certo é que, por vezes, o inquérito policial e toda sua dinâmica configurada na investigação criminal acabam por concluir que não houve o crime, ou se fato houve que não possui natureza ilícita ou que presentes as excludentes da ilicitude, ou que mesmo presente o ilícito não há autoria certa e, assim, a primeira fase da persecutio criminis está materializada no inquérito policial.

O inquérito policial não se limita com a produção de provas vinculadas ou direcionadas à imputação de delito ao autor. Nosso posicionamento não está em consonância com a doutrina esposada que informa que o inquérito policial tem como finalidade precípua perseguir a punição do autor. Filiamo-nos a corrente doutrinária que defende que o inquérito policial tem aspecto muito mais amplo pautado no fato de que o Delegado de Polícia, na presidência do inquérito, busca a tipicidade do fato, a existência ou não de causas excludentes de antijuridicidade e a culpabilidade do autor do delito. É o Ministério Público o órgão que assume a responsabilidade pela persecução penal, é ele o encarregado da acusação e que busca a condenação. Esta não é a missão precípua do inquérito policial.

Sua nobreza está na liberdade de buscar a verdade real, seja ela para imputar o crime ao investigado ou para inocentá-lo.

A base de dados consubstanciada no inquérito policial não está a serviço da acusação. E toda a investigação voltada a produzir as provas que serão inseridas no inquérito tem por escopo único concretizar a Justiça. Nesse compasso fácil a conclusão de que a condução do inquérito policial e todos os poderes daí inerentes cabe, exclusivamente, ao Delegado de Polícia, como decorrente do mandamento constitucional estipulado no art. 144, da Constituição Federal.

Repisamos que a finalidade do inquérito policial não é servir à acusação, municiando-a, pensamento adotado com comodismo pela maior parte da doutrina. Sua finalidade está calcada na reconstrução da verdade, cujas bases pautam-se na isenção e razoabilidade, necessárias para uma conclusão segura a respeito do delito e sua autoria.

A investigação criminal, em que pese muitas vezes esquecida ou renegada como parte integrante do Direito Processual Penal e, como decorrência lógica receber pouca atenção e, sob o foco de muitos posicionamentos um olhar distorcido, possui em verdade um papel importantíssimo no desenrolar da instrução processual. É a presença do inquérito policial nos autos do processo que direciona, informa o valor e dá o tom ao espírito do julgador.

"A verdade é, assim, a meta do inquérito policial, pouco importando que essa verdade se construa em favor da acusação ou da defesa. Marco Antonio Desgualdo, no prefácio do Manual de Polícia Judiciária, já havia afirmado que se pretende que o inquérito policial" sirva tanto para evidenciar a culpabilidade do averiguado, quanto para eximi-lo de uma acusação injusta ".[47]

É a existência do quadro comprobatório produzido no inquérito policial que irá determinar se cabível ou não a fase processual. Daí a investigação criminal não é um fim em si mesma. E nós não podermos aceitar a falácia do menosprezo ao inquérito policial.

Não se trata aqui de analisar o inquérito policial sob a ótica do delegado de polícia ou da própria Polícia, ou padronizá-lo ou adequá-lo às normas e princípios constitucionais. Buscamos tão somente expor suas reais dimensões catalogando sua natureza jurídica com espeque no valor probatório que possui e suas consequências na busca da verdade real, submetendo-se aos princípios constitucionais na busca da promoção da Justiça social.

4. As tentativas de supressão do Inquérito Policial

A supressão do inquérito policial ou a redução de sua abrangência constitui temática sempre ativa e, em toda oportunidade mercê de reforma do estatuto processual penal, volta à baila.

Vimos pelo presente estudo que as tentativas de extingui-lo ou retira-lo das mãos da Polícia civil, repassando-o a terceiros são correntes desde o Império, quiçá hoje.

Já naquela época o inquérito policial era alvo de tentativas de extermínio ou enfraquecimento. Os políticos liberais sustentavam acerbadas críticas, contudo, venceu o bom senso.

Em 1871, através da Lei 2.033, regulamentada pelo Decreto 4.824, do mesmo ano, a Polícia Judiciária foi fortalecida eis que criado, oficialmente, o inquérito policial.

Daí uma primeira reação pregando a supressão do inquérito ocorreu quando os liberais, alegando a demasia do fortalecimento da Polícia Judiciária, pretendiam não vê-lo inserido no projeto do Código Processual. O Ministro da Justiça, à época, em sessão no Senado ponderou:

As autoridades policiais, no que toca ao processo de formação de culpa, nos crimes comuns, são competentes, e é do seu ofício de polícia judiciária, auxiliar da justiça, proceder a todas as diligências para investigar e esclarecer os fatos e suas circunstâncias, isto é, para formação do corpo de delito e para descobrir as testemunhas mais idôneas, e logo proceder ao inquérito policial. Estas autoridades encarregadas deste inquérito estão localizadas no mesmo distrito, acodem e procedem a todas as diligências, autenticam os esclarecimentos e dão a sua parte, com esse instrumento do inquérito policial, ao encarregado da acusação, para iniciar o processo.[48]

Assim foi implantado oficialmente o inquérito policial, porém, as reações contrárias continuaram seu processo de minar as forças do inquérito.

Em 1882 o então Ministro da Justiça, Ferreira de Moura, criou uma comissão de juristas, encarregando-os de" estruturar "um novo projeto. Este, por sua vez demonstrou de forma cristalina a que veio. O art. 18 assim disciplinava:

"Art. 18. Ficam abolidos os Inquéritos Policiais."

A Exposição de Motivos declarou"os Inquéritos Policiais fizeram foi facilitar o abuso da autoridade e dificultar mais ainda a defesa do indiciado. (sic)"[49]. O projeto não foi encaminhado pelo Gabinete do Imperador.

No período Republicano, com a criação da Federação, a Polícia Judiciária passou a integrar os Estados.

Não desanimavam os defensores da extinção do inquérito.

A Constituição da República autorizou os Estados a elaborar suas legislações infraconstitucionais em matéria processual, sendo certo que, alguns Estados o fizeram, porém, sequer foram promulgados. Isto porque a Constituição de 1934 estabelecia competência privativa da União em matéria processual.

Desta feita, no Ato das Disposições Transitórias, precisamente, em seu art. 11, da Constituição de 1934 havia a previsão de elaboração de um novo projeto de Código de Processo Penal, de abrangência nacional.

Estava aberta a oportunidade necessária à satisfação dos anseios de findar com o instituto do inquérito policial. Era, pois, uma segunda onda de ataques ao inquérito policial.

Nascia desta intenção obscura, em 1935, o Projeto Vicente Ráo que tinha por principais inovações na legislação processual a supressão do inquérito policial e a implantação do Juizado de Instrução. Este Projeto foi abortado em 1937 com a implantação do Estado Novo.

Assim formou-se uma comissão composta por juristas de alto nível do gabarito de Nelson Hungria, Roberto Lyra, Cândido Mendes de Almeida, Vieira Braga, Florêncio de Abreu dentre outros, incumbidos da feitura do projeto do Código de Processo Penal.

A proposta era a unificação da legislação processual penal em todo o território, a rejeição do Juizado de Instrução e a manutenção do inquérito policial. Prosperou na íntegra e todas as propostas foram acolhidas.

O estatuto processual penal manteve o inquérito policial. E, na Exposição de Motivos a defesa do Ministro Francisco Campos em prol do inquérito policial. Assim se exprimiu o Ministro justificando a existência do Inquérito Policial:

(...) há em favor do inquérito policial, como instrução provisória antecedendo a propositura da ação penal, um argumento dificilmente contestável: é êle uma garantia contra apressados e errôneos juízos, formados quando ainda persiste a trepidação moral causada pelo crime ou antes que seja possível uma exata visão de conjunto dos fatos, nas causas circunstâncias objetivas e subjetivas. Por mais perspicaz e circunspecta, a autoridade que dirige a investigação inicial, quando ainda perdura o alarma provocado pelo crime, está sujeita a equívocos e falsos juízos a priori ou sugestões tendenciosas. Não raro, é preciso voltar atrás, refazer tudo, para que a investigação se oriente no rumo certo, até então despercebido. Por que, então, abolir-se o inquérito preliminar ou instrução provisória, expondo-se a justiça criminal aos azares do detetivismo, às marchas e contramarchas de uma instrução imediata e única? Pode ser mais expedito o sistema de unidade de instrução, mas o nosso sistema tradicional, com o inquérito preparatório, assegura uma justiça menos aleatória, mais prudente e serena.[50]

O inquérito policial saiu fortalecido e assim perdura até hoje.

Notória a vitória na manutenção do inquérito policial em nosso estatuto processual.

O advento da Constituição Federal de 1988 e sua gama de inovações vieram respaldar a importância do inquérito quando, no art. 144, IV, prevê a inserção das polícias civis como órgãos de Segurança Pública, com atribuição de polícia judiciária e estruturação em carreira. E, por principal institucionaliza o inquérito policial consagrando-o em seu art. 129, VIII, como" definitivo instrumento formal da polícia judiciária ".

Os interesses na apuração das infrações penais e seus autores são latentes e cristalinos os desejos mais obscuros na ideia de deter o poder de presidir o inquérito policial. Na revista ADPESP assim se manifestou o colega Tarcísio Marques, em seu artigo Inquérito Policial:

Tal como um vulcão dormente, mais ainda vivo, que de quando e sem prévio aviso apresenta sinais e manifestações de nova erupção. Assim acontece com o tema em pauta, ou seja, o desejo de alguns setores de suprimir o inquérito policial o simplesmente retirá-lo das mãos da Polícia Civil (...)

Ainda, tal como o vulcão que não diz o porque de sua"braveza"e simplesmente quer jogar sua lava fervente contra todos, alguns segmentos da sociedade, assim, também procedendo, seja através de proposta de Emenda Constitucional ou mesmo através de apresentação dos mais variados projetos de lei, visando a reforma do Código de Processo Penal, dão ênfase ao tema Inquérito Policial, desejando sua extinção ou ao menos sua retirada da atribuição da Polícia Civil, como soi acontecer desde o ano de 1841.[51]

Aqueles que abrigam a tese de extinção do inquérito policial preconizam a instituição do juizado de instrução ou de sua entrega ao Ministério Público.

Citando a lição do mestre e Desembargador Sérgio Marcos de Moraes Pitombo"essa ideia acha-se desgastada nos países de origem. Assim, ele (o Juizado de Instrução) desapareceu do processo italiano e se encontra muito enfraquecido na França. (...) Quem fala de Juizado de Instrução no Brasil talvez não saiba que propõe importar sucata".[52] As proporções geométricas de nosso país implicam na não aplicação deste sistema.

Entregá-lo ao Ministério Público configura outro desejo de alguns segmentos da sociedade. Ora, o Ministério Público é o titular da ação penal e o encarregado de promover o início da persecução penal em juízo. Logo, é parcial, é parte.

A investigação policial tem de ser impessoal, livre, para perseguir seu fim, a verdade real. Portanto, essa ideia é extrema preocupante e, até mesmo pueril. Ademais, nos países onde o Ministério Público dirige o inquérito o órgão é nacional e submisso ao Ministério da Justiça, e este não é nosso exemplo, haja vista que, no Brasil o órgão é, tecnicamente, estadual. Assim, como representante do Estado não pode ao mesmo tempo assumir a pretensão de investigar ou dirigir a investigação e permanecer no polo ativo como acusador.

A par das constantes tentativas de suprimir o inquérito policial a verdade é que deve ele ser mantido nas mãos da Polícia Civil, sob a presidência do Delegado de Polícia, pois que assim oferece maior segurança jurídica.

Adotando as palavras sempre atuais do Ministro Francisco Campos" o inquérito policial (...) constitui uma garantia contra apressados e errôneos juízos ".

O criminalista e prof. De Direito Penal Luiz Flávio D'Urso já se manifestou no sentido de que aperfeiçoar a Justiça Criminal não passa pela extinção do inquérito policial, mas sim por maiores investimentos, primeiro no homem e depois na máquina. Ele (o inquérito policial) revela uma vinculação com o momento.

Será que por trás do discurso de desprezo do Inquérito Policial, tentando mostrá-lo aos menos avisados como entrave à celeridade da justiça, ou como um amontoado de papéis sem importância, não se esconde boa dose de preconceito com relação à Polícia Judiciária, existente no mundo inteiro e que, no Brasil, é dirigida por Delegados de Polícia? Ou haveria, em tudo isso algum interesse corporativo, econômico ou político, ou qualquer outro inconfessável, mas não em benefício da sociedade, a ponto de Ser" esquecido "o descaso com a Segurança Pública e com a falta de prevenção, causas primárias da avalanche de crimes não evitados e a serem apurados?[53]

5. O Inquérito Policial no Estado Democrático de Direito

5.1 Os fundamentos estruturais do Estado Democrático de Direito

A República Federativa do Brasil adotou como princípio o Estado Democrático de Direito, preceituado no art. , da Constituição Federal:

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III- a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Significa, pois, afirmar que vigoram os princípios do Estado de Direito, vale dizer, a submissão ao império da lei, a separação de poderes e o enunciado dos direitos e garantias individuais, bem como os princípios do Estado Democrático, atinentes à soberania popular a liberdade de expressão e o pluralismo político.

Importante lançar observações sobre a noção da evolução das concepções estatais até a adoção da social-democracia.

Desta feita, no final do século XVIII, com as revoluções liberais, surge a concepção de Estado de Direito, fruto da oposição defendida pelos burgueses contra o absolutismo estatal. Assim tinha por premissa básica opor-se a qualquer pretensão de concentração de poder, soerguendo-se sobre o princípio da submissão à lei, separação dos poderes e direitos e garantias individuais.

Ocorre que, se por um lado patrocinava o término da acumulação de poderes, de outro giro, neste momento inicial os direitos fundamentais do homem mais voltados para o direito de liberdade individual (hoje conhecidos como direitos de primeira geração) resultaram no abstencionismo do Estado de Direito.

E, no final do século XIX eclodiram movimentos sociais cuja bandeira era a denuncia da insuficiência do Estado de Direito para garantir a todos uma justiça social. A sociedade passou a exigir do Estado uma postura mais ativa que objetivasse a correção das injustiças provocadas pela inércia do Estado Liberal.

(...) na sociedade liberal, a igualdade sofria, na prática, uma verdadeira desconsideração, permanecendo, e quando muito, reverenciada apenas no plano dos discursos.

Comenta Celso Ribeiro Bastos que os burgueses almejavam o máximo de bem-estar com a menor presença possível do Estado. Dele se esperava somente a organização do exército, para a proteção contra o inimigo alienígena, e a garantia da tranquilidade interna, através da polícia e do judiciário, incumbidos de aplicar as leis.[54]

Surge, então, a ideia do qualificativo social com ideais de corrigir o individualismo e o abstencionismo do Estado Liberal pontuando pelos direitos sociais (que são os direitos de segunda geração), a disseminação do bem-estar coletivo e a justiça social.

Nascia, assim, o Estado Social de Direito, também chamado de Estado-providência ou Welfare State[55]. As bases deste Estado Social estavam assentadas na expressão" social "que sinalizava para a intenção de correção e superação do individualismo clássico característico do Estado Liberal para a afirmação dos direitos sociais e da justiça social.

É claro que, sob este slogan de justiça social e bem-estar comum restaram legitimados diversos regimes desde democracias a Estados totalitários. Concluiu-se que esse modelo" social "não era suficiente para que o Estado promovesse o bem geral e o desenvolvimento humano.

A insuficiência maior deste modelo residiu, precisamente, em não conseguir alcançar a prometida democratização econômica e social, também chamada de economia do gênero humano.

Surge, enfim, a concepção de Estado Democrático de Direito.

Sob esta concepção mantinha-se os ideais de justiça social, incorporando os princípios democráticos da soberania popular, da participação e do pluralismo político objetivando-se a implementação do bem estar comum.

Pontua o prof. José Afonso da Silva" o Estado Democrático de Direito representa mais do que a simples reunião do Estado de Direito com o Estado Democrático, resultando na criação de um conceito novo que incorpora um componente de transformação do status quo. "[56]

Noutras palavras, o Estado Democrático de Direito é aquele que se pretende aprimorado, na exata medida em que não renega, antes incorpora e supera, dialeticamente, os modelos liberal e social que o antecederam e que propiciaram o seu aparecimento no curso da História.[57]

Consequencia lógica do advento do Estado Democrático de Direito considerando a incorporação de ideais do Estado como promotor do bem-estar social, a lei, ganha nova função que é a de promover as mudanças sociais necessárias à realização da justiça social. Neste contexto a lei, além de geral e impessoal, deve ser instrumento de superação das desigualdades sociais.

Muitos constitucionalistas denominam o Estado Democrático de Direito como Estado da Social-Democracia, considerando seu caráter eminentemente social.

5.2 Os princípios constitucionais

Considerado um dos fundamentos da República o Princípio do Estado Democrático de Direito, figura no caput do artigo primeiro da Constituição Federal de 1988, dele se extraem e inferem diversos princípios como o da soberania, a cidadania, a separação dos poderes, pluralismo político, isonomia, legalidade e da dignidade da pessoa humana"em que pese, com relação a este último, a opinião de inúmeros filósofos e juristas do maior relevo, como Miguel Reale, por exemplo, para quem a pessoa é o valor-fonte dos demais valores, aos quais serve de fundamento como categoria ontológica pré-constituinte ou supraconstitucional".[58]

Por soberania, entende-se a supremacia do Estado, na ordem interna ou na política externa. É exercida através do sufrágio universal e pelo voto direto e secreto com valor igual a todos, consubstanciado no art. 14, incisos I a III, CF. Trata-se, pois, de poder supremo, sem limites na ordem interna.

Cidadania significa a ideia de titularidade de direitos políticos, ou seja, o cidadão no gozo dos direitos políticos. E pontua o ilustre José Afonso da Silva que cidadania como um dos fundamentos do Estado brasileiro significa, também,"o reconhecimento do indivíduo como pessoa integrada na sociedade estatal e a ideia de submissão do Estado à vontade popular.”[59]

E, para tecermos algum comentário sobre o princípio da separação dos poderes nada melhor do que invocarmos as sábias palavras de Montesquieu:

Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas, e o de julgar crimes ou as divergências dos indivíduos".[60]

Este princípio faz parte da própria essência do Estado de Direito é o que se infere quando se lê o artigo XVI da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789:

Art. XVI. A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição.

Na Constituição Federal encontra-se estampado em seu art. e constitui cláusula pétrea, não se sujeitando a emendas nem revisões tendentes à sua extinção, contudo, a distribuição de funções estatais entre os poderes não ocorre de forma absoluta. Vale dizer, a Constituição confere a cada poder uma função típica e, subsidiariamente, funções peculiares a outros poderes (por exemplo, o Senado Federal julga o impeachement do Presidente da República, CF, art. 52, I, parágrafo único).

Ainda, configura-se, um sistema de freios e contrapesos que busca o equilíbrio entre os poderes que interferem, com autorização constitucional, um nos outros buscando limitar e fiscalizar o exercício das funções estatais. É o checks and balances cujo exemplo mais nítido é o veto do Presidente da República aos projetos de lei do Poder Legislativo.

O princípio da isonomia significa, resumidamente, tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida da sua desigualdade. Na nossa Constituição esse princípio é enunciado com referência à lei"todos são iguais perante a lei". Tem caráter supraconstitucional e anterior ao Estado e, ainda que não constasse no texto constitucional, teria de ser respeitado.

A legalidade consagrada como princípio constitucional no art. , inciso II, de nossa Carta Magna declara que"ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". Esse preceito se alastra e impregna todo o ordenamento infraconstitucional, sendo facilmente encontrado nos textos quando da utilização dos termos"processo legislativo, devido processo legal, supremacia da lei, reserva de lei, anterioridade legal, legalidade penal, dentre outros.

No inciso III, o art. da Constituição Federal estampa um dos fundamentos maiores do Estado Democrático de Direito. A dignidade da pessoa humana é valor supremo que congrega o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem. É um princípio considerado de valor pré-constituinte e de hierarquia supraconstitucional, no qual se funda a República.

A noção de dignidade da pessoa humana como valor que lhe é inerente tem origem no pensamento cristão. Recorrendo-se a Ingo Scarlet surge a elucidação: "Ao pensamento cristão coube, fundados na fraternidade, provocar a mudança de mentalidade em direção à igualdade dos seres humanos."[61]

Apesar da origem cristã, na Idade Média, configurada no pensamento de Santo Tomás de Aquino que expressamente usa o termo dignitas humana, o certo é que só no século XX e, principalmente a partir da 2ª Guerra Mundial é que a dignidade da pessoa humana passou a ser positivada nos textos constitucionais e isto, notadamente, quando restou existente na Declaração dos Direitos Humanos, em 1948 na ONU. A partir desta Declaração a dignidade da pessoa humana passou a ser reivindicada como princípio e germe dos sistemas jurídicos. Sem dúvida o fim da 2ª Guerra decretou a necessidade de impingir aos ordenamentos jurídicos valores éticos.

Portanto indiscutível seu valor. A dignidade da pessoa humana está sobreposta a todos os bens ou princípios constitucionais, assim não se confronta com estes. Ela (dignidade da pessoa humana) só comporta confronto consigo mesma. Vale dizer, como dignidade humana é considerada valor absoluto quando contraposto a qualquer outro da sociedade. Porém, como princípio ela é relativizada o que importa dizer "a dignidade de cada um limita-se pela igual dignidade dos demais".[62]

Num plano fático revela-se de extrema dificuldade a concretização deste princípio, ou por questões de ordem cultural ou por carência financeira. Judicialmente, a verdade é que nenhum princípio tem registrado tanto avanço e reflexão e, isto se evidencia com a jurisprudência de nossos Tribunais.

A concretização deste princípio tem sido eivada de significativos esforços e, restam evidenciados em diversos planos: legislativo, doutrinário, jurisprudencial, dentre outros. Por exemplo, jurisprudencialmente, temos a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana na indenização por dano moral, na mudança de sexo, paternidade, requisição de informações a bancos e repartições publicas, na não negativação do nome de devedor junto ao Serasa, a excepcionalidade do uso de algemas, etc.

É assim que o desrespeito por qualquer Estado-membro ou pelo Distrito Federal ao princípio enseja causa de intervenção federal e cabe à Segurança Pública preservá-la, cf. Estipula o artigo 144, da CF. Decorrência lógica dessa premissa é que a ordem econômica tem por objetivo assegurar a pessoa uma existência digna, à ordem social por sua vez, cabe a realização da justiça social, à educação o desenvolvimento da pessoa e sua cidadania, assim, como indicadores da eficácia da dignidade da pessoa humana. Ex vi dos artigos 144, 170, 193 e 205, todos da Carta Magna.

Aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa também fundamentos da República brasileira compete a consagração de uma economia de mercado de natureza capitalista, subjugados aos valores do trabalho humano.

Por derradeiro, é no pluralismo político um dos fundamentos explicitados no art. que se configuram assegurados os valores de uma sociedade pluralista tal qual assentado no Preâmbulo da Constituição. Consequência direta da adoção do princípio democrático, considerando-se que a democracia tem por bases o respeito à pluralidade de ideias e a representatividade das diversas opiniões daí falar-se em pluralismo social, político, partidário, econômico e de instituições de ensino, etc.

Desta feita, a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado brasileiro, a exaltação dos direitos humanos como princípio nas relações internacionais e a declaração que a República Federativa do Brasil propugna pela formação de um Tribunal Internacional de Direitos Humanos evidenciam que nosso Estado Democrático de Direito reconhece o ser humano como o cerne e fim último da atividade estatal.

E adiante há o enaltecimento no art. , parágrafo 2º, da Constituição Federal da adoção de um sistema aberto de direitos fundamentais no Brasil. Vale dizer, não há se falar em enumeração ou taxatividade dos direitos fundamentais contidos no Título II da CF. Assim, preceitua o artigo citado "os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte."

Expostos os princípios consagrados na Magna Carta, considerando-se a natureza do inquérito policial e sua respeitável finalidade, bem como por estar ligado umbilicalmente à proteção da sociedade e da paz social e, principalmente, por envolver as liberdades individuais há de se concluir pela submissão do inquérito aos princípios constitucionais supra delineados, que norteiam os direitos e garantias constitucionais e a Administração Pública.

Não podemos deixar de mencionar que os princípios, objeto deste trabalho, possuem elevado grau de abstração, posicionamento hierárquico superior e são standards que vinculam a exigência de Justiça, enfim, são fundamentos de base, de regra, funcionam como fundantes de todo o sistema jurídico.

Daí a necessidade de reconhecer e estabelecer a aplicabilidade dos princípios, direitos e garantias constitucionais ao inquérito policial.

5.3 Dos princípios constitucionais e sua aplicabilidade no inquérito policial

5.3.1 Princípio da legalidade

Está previsto expressamente no art. , inciso II, da CF e referido no "caput" do art. 37 como aplicável a toda a Administração Pública, bem como informado no art. 84, inc. IV, do texto constitucional. O art. 5º, inciso II estabelece que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

Temos aqui um conceito multifuncional cujo conteúdo se espraia por todo o ordenamento jurídico. Manifesta-se no inquérito policial de duas formas: a primeira é impondo ao Delegado de Polícia a pratica de atos vinculados, decorrentes da obrigatoriedade de instauração do procedimento e da apuração da materialidade, da autoria e circunstâncias delitivas e, a segunda é facultando à autoridade a prática de alguns atos discricionários atinentes às investigações, limitados, obviamente, às liberdades e garantias individuais, consoante disposições legais.

Assim, num primeiro momento informa o princípio a necessidade de instauração do inquérito, a instrução com a colheita de provas e exame de corpo de delito enfim até a conclusão e apuração da verdade real, esgotando as diligências necessárias à elucidação das circunstâncias delitivas e sua autoria.

E, por derradeiro, o princípio da legalidade impõe limites aos atos das autoridades policiais, no que tange à respeitabilidade e obediência à lei, do que são exemplos o afastamento do sigilo bancário, a realização da busca e apreensão em situação não flagrancial, a decretação da temporária ou preventiva e inúmeras outras situações.

O princípio da reserva legal exige que qualquer intervenção na esfera individual (as que implicam restrições aos direito de liberdade ou propriedade) seja mediante autorização legal.

5.3.2 Princípio da impessoalidade

Corolário do princípio maior da reserva legal o princípio da impessoalidade é absorvido pela legalidade. "O princípio da impessoalidade convoca o da igualdade, na medida em que este último postulado impõe aos agentes públicos, em geral, e não apenas ao administrador, medir a todos com o mesmo metro".[63]

Encontra previsão no "caput" do art. 37, da Constituição Federal, bem como no art. , parágrafo único, inc. III, da Lei 9.784/99.

No inquérito policial implica na efetiva apuração da verdade real sobre o fato delitivo, objetivando a sua repressão e elucidação. Portanto, não pode o inquérito ser utilizado com objetivos obscuros visando prejudicar ou beneficiar pessoa determinada. Não se permite a existência de interesse público ou particular voltado a direcionar a descoberta da autoria para pessoa certa e determinada.

E, de outro giro, este princípio expressa a proibição da utilização do inquérito policial para a promoção do policial (autoridade ou agentes) que o conduz ou envolvido nas investigações nele efetivadas. Vai além, e obriga a todos que tiverem contato com as investigações tal como membros do Ministério Público ou Poder Judiciário.

5.3.3 Princípio da Moralidade

Traduzido como "atuação segundo os padrões éticos e de boa-fé" encontra-se estampado no caput do art. 37, da CF e art. , parágrafo único, da Lei 9.784/99. O princípio da moralidade torna jurídica a exigência de atuação ética, assim, ato contrário à moral administrativa está sujeito a controle de legitimidade, podendo ser eivado de nulidade.

Na lição do mestre Gilmar Mendes referindo-se ao princípio em tela:

Abstração feita das discussões em tono das semelhanças e diferenças acaso existentes, ente direito e moral, mas retendo, desse debate, a conclusão de que, originariamente amalgamadas, em determinado momento histórico, essas duas tábuas de valores vieram a separar-se, no curso do processo de racionalização do poder, mas não perderam os vínculos de parentesco, pode-se dizer que a reverência que o direito positivo presta ao princípio da moralidade decorre da necessidade de pôr em destaque que, em determinados setores da vida social, não basta que o agir seja juridicamente correto; deve, antes, ser também eticamente inatacável.[64]

Assim é que este princípio densifica todo ordenamento jurídico, de modo que a conduta do servidor público à par de ser formalmente legal, se for imoral, será igualmente ilegal. Não se discute aqui conveniência ou oportunidade.

O inquérito policial disciplinado que é pelo estatuto processual penal traz implícito como inerente ao próprio Código de Processo Penal uma forte carga moral, haja vista que é uma das formas de se garantir as liberdades individuais e coibir eventual abuso no exercício do poder punitivo do Estado.

Desta feita, o conceito de moralidade está adstrito a legalidade, consectário do fato de que o que é moralmente correto já está positivado no estatuto processual. Cite-se, como exemplo a inadmissibilidade de provas ilícitas, especificamente, a quebra indevida de sigilo bancário e fiscal, a violação de domicílio sem amparo das hipóteses permitidas, a confissão obtida por meio de tortura, válida tanto para processos penais, civis, administrativos e para o inquérito policial. O mandamento moral é o de que os fins não justificam os meios.

5.3.4 Princípio da publicidade

Por força do que dispõe o art. 37, caput, da Constituição Federal aplica-se a Administração Pública. Em face do sistema constitucional possui uma dupla acepção. Num primeiro momento a publicidade não está ligada à validade do ato mas sim a sua eficácia, ou seja, enquanto não publicado o ato não está apto a produção de efeitos. E, num segundo momento implica na exigência de transparência da atuação e isto fica claro no inciso XXXIII, do art. , da CF "todos tem direito a receber do órgãos públicos informações de seu interesse particular...". Decorrência lógica da transparência é a regra segundo a qual os atos devem ser motivados, sendo certo que, o princípio da motivação dos atos não está expresso na Constituição para toda a Administração.

A motivação é exigência constitucional somente para o Poder Judiciário. Nem toda informação pode ser transmitida ao interessado, ainda que referente a sua pessoa. Veja-se a Lei 8.159/91, em seu art. 22, que determina o sigilo.

O princípio da publicidade deve ser entendido num panorama em que as garantias da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal só são eficazes se o desenvolvimento do processo se der sob o controle das partes e sociedade. Contudo, convém o esclarecimento de que a Constituição adotou tanto a regra da publicidade plena como a regra da publicidade restrita, ou seja, a publicidade comporta exceções calcadas no mesmo interesse público ou defesa da intimidade. São exemplos o sigilo nas votações do Tribunal do Júri (art. , XXXVIII, CF) ou a limitação de pessoas a determinados atos processuais.

No que tange ao inquérito policial o Código de Processo Penal, em seu art. 20, informa uma publicidade relativa que, por determinação legal, deve ser restringida em decorrência da exigência da elucidação dos fatos ou interesse da sociedade. Assim prescreve o art. 20, do CPP "o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade".

A doutrina tem entendido que "sendo o inquérito um conjunto de diligências visando a apurar o fato infringente da norma penal e da respectiva autoria, parece óbvio deva ser cercado do sigilo necessário, sob pena de se tornar uma burla."[65]

Segundo o mestre Mirabete o sigilo:

(...) é qualidade necessária a que possa a autoridade policial providenciar as diligências necessárias para a completa elucidação do fato sem que se lhe oponham, no caminho, empecilhos para impedir ou dificultar a colheita de informações com ocultação ou destruição de provas, influência sobre testemunhas, etc[66].

Assim é que além do art. 20, do CPP, ora em comento, temos também o art. 481, do mesmo Estatuto que permite que a votação dos jurados ocorra sob sigilo, ainda, o art. , da Lei 9.034/95 prevê o sigilo em algumas diligências encetadas no âmbito do combate às organizações criminosas, o art. 143, do Estatuto da Criança e do Adolescente proibi a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional. Todos em conformidade com os preceitos constitucionais.

Desta forma temos que a ordem democrática funda-se, consoante preceito constitucional, no valor da publicidade. A publicidade é a regra e, o sigilo, a exceção que ocorre toda vez que imprescindível à segurança da sociedade ou Estado e quando não prejudique o interesse público à informação.

Nesse esteio finalizamos que se trata de uma cláusula aberta que confere ao Código de Processo Penal poderes para definir, em cada caso, qual a medida do sigilo a ser adotada. Cabe à autoridade avaliar as razões em prol ou contra a aplicação do sigilo. Muitos diriam tratar-se de um exercício de ponderação. Pautam-se nestas bases a orientação do mestre Gilmar Mendes:

Observa-se, em cada caso, o sigilo necessário à eficiência das investigações. E, nesse sentido, a mutação das circunstâncias fáticas poderá justificar tanto a ampliação como a restrição, total ou parcial, do sigilo inicialmente decretado, sempre tendo em vista a efetividade das investigações criminais, assim como o interesse social.[67]

5.3.5 Princípio da eficiência

A Emenda Constitucional 19/1998 incluiu a eficiência como princípio expresso, no caput do art. 37 da Constituição, aplicável a toda atividade administrativa, em todos os Poderes, permeando todas as esferas da Federação. Tratando-se de princípio expresso a eficiência integra o controle de legalidade, não se questionando de matéria de mérito administrativo.

No inquérito policial a aplicação deste princípio impõe ao servidor público envolvido o melhor desempenho possível das atribuições, objetivando a apuração da verdade real sobre o fato investigado. Assim, constitui até mesmo uma limitação ao princípio da legalidade onde, se a respeito de ser determinado ato vinculado na prática não for eficiente, especificamente ao caso, pois implicaria em demora no encerramento das investigações, por exemplo, ele (ato) não deverá ser praticado. Exemplificando, se colhidas provas suficientes para elucidação de fato criminoso e sua autoria não haverá justificativa para o não encerramento das diligências, objetivando o aguardo de exame pericial que tão somente irá corroborar as provas colhidas. Assim, a par da necessidade de chegada do Laudo, pode-se concluir o inquérito policial constando-se a remessa oportuna, dependendo do caso.

5.3.6 Princípio da celeridade

A Emenda Constitucional 45/2004 inseriu no art. , inciso LXXVIII, da Constituição Feral o princípio da celeridade, assim, determinando que o inquérito policial seja concluído no menor tempo possível. Contudo, são permitidas prorrogações de prazo importando em tramitação superior ao lapso estabelecido no Código de Processo Penal, desde que justificadas e guardadas as devidas proporções quanto às dificuldades encontradas para elucidação do delito, tocantes às próprias condições em que foi praticado e sua natureza.

Possui uma dupla vertente garantindo ao investigado que não permaneça nesta condição por tempo demasiado e, à sociedade, garante que o crime será apurado com eficiência conduzindo à repressão num tempo menor possível.

5.3.7 Princípio do controle

O controle feito pelo Poder Judiciário decorre do estabelecido no inc. XXXV, do art. , da Constituição Federal, ainda, do disposto na legislação processual penal que determinam seja o inquérito policial fiscalizado pelo juízo competente para processar e julgar a futura ação penal que visa instruir. Nessa esteira, o controle das atividades de polícia judiciária é realizado internamente, através da Corregedoria da Polícia e, externamente, pelo Poder Judiciário, Ministério Público e pelas partes (investigado/vítima) envolvidos no procedimento. Observa-se, pois, que o controle do Parquet encontra fundamento na Constituição Federal, em seu art. 129, inc. VIII, sendo regulamentado pela Lei Complementar 75/93, em seus artigos e 10.

Consagra o princípio do controle a fiscalização das atividades exercidas pela Polícia Judiciária, com objetivo de garantir a observância de suas finalidades institucionais e evitar possíveis desvios de finalidade que, porventura, possam ocorrer no desenvolvimento dos trabalhos atinentes a investigação do fato delituoso.

5.3.8 Princípios do contraditório e ampla defesa

Encontra-se explícito no art. , inciso LV, da Constituição da República: "(...) aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

O processo penal acusatório pressupõe a garantia do contraditório e da ampla defesa ao réu constituindo, assim, um dos corolários do devido processo legal. É o contraditório um direito que fomenta a igualdade das partes, pressupõe, assim, a existência de partes e, consequentemente, está ligado a um processo de estrutura acusatória.

O princípio do contraditório entende-se o direito da parte de se opor, de debater, contraditar tudo o que for levado ao processo pela parte contrária. Encampa o direito de informação, de ciência dos atos processuais e, o direito de manifestar-se sobre estes atos. Constituiu-se neste diapasão num instrumento de dialética que mantém íntima ligação com o princípio da igualdade, possibilitando às partes as mesmas possibilidades e os mesmos instrumentos processuais. É a síntese da aplicação das máximas audiatur et altera pars (que estabelece uma condição de igualdade) e par conditio (ou paridade de armas) que exigem uma condução ética do processo possibilitando uma decisão justa. E, por ampla defesa temos o direito de trazer ao processo todos os meios de prova admitidos em Direito.

Pela redação do inciso LV, do Texto Constitucional, ora em comento, constata-se que o contraditório e a ampla defesa são aplicados em processos judiciais e procedimentos administrativos sejam eles civis ou militares, sob pena de nulidade. Quanto ao processo administrativo (civil, militar, disciplinar) não há discrepâncias de se aplicar as garantias do contraditório e ampla defesa, haja vista que envolvem a aplicação de sanções administrativas. As dúvidas surgem quanto à aplicabilidade do princípio no inquérito policial haja vista o posicionamento doutrinário adotado.

Portanto, matéria controvertida é a aplicação dos princípios do contraditório e ampla defesa ao inquérito policial, considerando-se que doutrina e jurisprudência dominantes adotam a tese da não aplicação destes princípios pautando-se no fato de que o inquérito não pode ser considerado processo que objetiva a solução de litígio.

Os argumentos são os mais divergentes. Os contrários pautam-se no argumento da natureza inquisitiva do inquérito policial e na afirmação de que não há falar-se em acusado nesta fase procedimental, sendo o termo mais preciso, investigado.

5.4 Posicionamento contrário à aplicação do princípio no inquérito policial

Os contrários pautam-se no argumento da natureza inquisitiva do inquérito policial e na afirmação de que não há falar-se em acusado nesta fase procedimental, sendo o termo mais preciso, investigado. Ainda, que não se trata de litígio.

Em síntese, argumentam "apenas nos processos administrativos que envolvam a aplicação de penalidades ou de qualquer forma a restrição de direitos individuais devem ser garantidos o contraditório e a ampla defesa. Isso porque nos procedimentos administrativos meramente investigativos, que não envolvem aplicação de sanções, mas apenas apuram fatos para um posterior processo administrativo ou judicial, não há que se falar em contraditório e ampla defesa por configurarem simples medida preparatória de um processo posterior."[68]

O pensamento de Ada Pellegrini Grinover e Fauzi Hassan Chouke é no sentido de afirmar a inexistência de acusado ou litigante, no inquérito policial e, ao mesmo tempo em que reconhecem que os direitos fundamentais do indiciado devam ser respeitados acabam de outro giro ao afirmar a inexistência de acusação aceitam, assim, a não possibilidade de defesa. E assim compartilha Dilermando Queiróz Filho que acentua que no inquérito não há acusado, assim como não há como aplicar o contraditório. Manoel Messias Barbosa acentua "o inquérito policial, por sua natureza, é inquisitório, sigiloso e não permite defesa"[69]. Também encampa esta tese Fernando da Costa Tourinho ao afirmar que se aceitássemos a aplicação do princípio "dificilmente vingariam as ações penais".[70]

O Código de Processo Penal, argumentam alguns defensores desta tese, estatui no art. 107 que não se poderá opor suspeição às autoridades policiais, nos atos de inquérito e, ainda, o art. 184 declara que, à exceção do exame de corpo de delito, o juiz ou a autoridade policial poderá negar a perícia requerida pelas partes. Observa-se, contudo, tratar-se de legislação infraconstitucional que diante de sua posição hierárquica não reúne condições de afronta à Constituição Federal e os princípios ali estabelecidos.

E, de forma incisiva, com a acidez que lhe é peculiar, assim se posiciona José Frederico Marques:

Infelizmente, a demagogia forense tem procurado adulterar, a todo custo, o caráter inquisitivo da investigação, o que consegue sempre que encontra autoridades fracas e pusilânimes. Por outro lado, a ignorância e o descaso relativos aos institutos de processo penal contribuem, também, decisivamente, para tentativas dessa ordem.[71]

Nessa ordem, esposando a negação do princípio ao inquérito policial encontramos, ainda, Fernando Capez e Alexandre de Moraes que, sob alegação de inexistência de contraditório afirmam tratar-se o inquérito de "mero procedimento administrativo, de caráter investigatório, destinado a subsidiar a atuação do titular da ação penal, o Ministério Público"[72].

A par deste apontamento, em que pese oportunamente as manifestações traçadas neste trabalho, não podemos nos furtar ao reconhecimento do menosprezo do inquérito policial por parte de alguns membros do Ministério Público que delimitam a visão do tema atrelando a existência do inquérito policial a serviço exclusivamente de eventual processo penal e da grande importância deste, no qual aliás eles atuarão como parte acusatória.

5.5 Posicionamento favorável à aplicação do princípio no inquérito policial

Inicialmente, no item anterior, apontamos uma síntese da opinião adotada por estudiosos que defendem a inaplicabilidade do contraditório e ampla defesa no inquérito. Neste ponto traremos à baila o posicionamento daqueles que sustentam sua aplicação.

Certo que, logo após a promulgação da Constituição Federal, de pronto posicionaram-se a respeito da aplicação dos princípios do contraditório e ampla defesa no inquérito policial os mestres Rogério Lauria Tucci e Marcelo Fortes Barbosa. Para o saudoso mestre Marcelo Barbosa o indiciado é considerado um tipo de acusado e, o contraditório é aplicado aos "acusados em geral". Sustentava, ainda, que não havia como negar a defesa no inquérito policial por conta da conjugação "acusados em geral" e, principalmente, diante da existência de provas que não poderão ser repetidas em juízo.

O grande defensor da aplicação do contraditório e ampla defesa ao inquérito policial foi Joaquim Canuto Mendes de Almeida que em 1957, ainda sob a vigência da Constituição Federal de 1946, publicou o célebre artigo "O Direito de defesa no inquérito policial, resultante da supressão da pronúncia no juízo singular"[73]. Destes estudos vislumbra-se cuidadosa incursão na estrutura do processo penal brasileiro, onde funda sua tese de adoção do contraditório e ampla defesa no inquérito policial.

Com espeque numa interpretação histórica cita a Lei de 1841 e seu Regulamento nº 120, de 1842 para pautar o primeiro momento da atividade policial e coleta preliminar de informação, denominando-a de investigação em sentido estrito e, ao citar o Regulamento 4824, advindo da Lei 2.033, de 1871 esclarece que esta Lei estabelecia ser função do delegado de polícia proceder às diligências cabíveis e, num segundo momento transmitir este dado ao juízo.

O estudioso argumentava uma diferenciação entre a atividade preliminar de investigação e a atividade de documentação destas investigações. Distinguia, portanto, atos próprios de investigação e a atividade desenvolvida no inquérito policial. E prosseguia afirmando que no momento da investigação propriamente dita descabia atuação defensiva, porém, num segundo momento não se poderia afastá-la. André Rovegno citando-o esclarece o posicionamento:

Feitas essas distinções, evidente se patenteia o absurdo que seria advogados de defesa colados a detetives particulares ou a investigadores, (...) a espiarem as pesquisas sobre as infrações, seus autores e os elementos de convicção, anteriores, contemporâneos ou posteriores ao inquérito policial, ao sumário de culpa ou à instrução definitiva.

Errado, entretanto, igualmente se evidencia afirmar-se que a exteriorização do resultado das pesquisas, assestada com carga contra o indiciado, no inquérito policial, para estruturação dos alicerces objetivos da denúncia ou queixa, não reclame, ou ao menos, não autorize o admitir-se participação do paciente nas operações informativas que pessoalmente hão de atingi-lo, para mal ou para bem, pouco importa, mas diretamente na sua liberdade individual, arriscada a sofrer todos os constrangimentos materiais e morais de um processo criminal.[74]

Para o estudioso Rogério Lauria Tucci prevalece a sustentação:

(...) até o indiciamento formal não há necessidade de contraditório, porém, a partir deste ato, o contraditório passa a existir e o indiciado a contar com todas as garantias previstas naConstituição Federall, em especial destaque para a possibilidade de permanecer em silêncio durante o interrogatório, um direito do indiciado que não pode ser interpretado desfavoravelmente à sua pessoa, sob pena de estar-se rasgando aConstituiçãoo.[75]

E, citando Sérgio de Moraes Pitombo, em corroboração ao pensamento temos a seguinte lição "reunidos os elementos informativos tidos como suficientes, a autoridade policial cientificará o investigado, atribuindo-lhe, fundamentadamente, a situação jurídica de indiciado, com as garantias dela decorrentes."[76]

Somente nesta seara é que o investigado deixa de ser considerado mero objeto de investigação e conquista o status de pessoa, com o respeito a sua dignidade humana.

5.6 O posicionamento da jurisprudência pátria

Num coro quase uníssono a jurisprudência brasileira informa a não aplicação dos princípios do contraditório e ampla defesa no inquérito policial. E, em síntese, dispõe que eventuais vícios ocorridos em sede de inquérito policial não teriam o condão de inviabilizar ação penal, haja vista que aquele constitui mera peça informativa, não se sujeitando ao crivo do contraditório e ampla defesa. De outro giro, afastam qualquer possibilidade de contraditório no inquérito e realçam sua presença em sede processual, em juízo. E mais, o Supremo Tribunal Federal segue o mesmo raciocínio do Superior Tribunal de Justiça.

Como referido concluem que, tratando-se o inquérito policial de procedimento administrativo, informativo e inquisitório não possui condão de afetar a ação penal.

Raras são as decisões que não encampam este pensamento. Constata-se de breve análise das decisões superiores que o tema está pacificado. De outra forma, podemos até afirmar que, em verdade, está acomodado, ninguém o discute com a intensidade e profundidade necessárias, possivelmente porque embasados que os atos principais serão refeitos em sede judicial e ali se sustentará a decisão. Mas, e os atos que não puderem ser refeitos? Qual o motivo de não ser aplicado o contraditório? Devemos realmente acatar tão somente porque assim tem sido feito?

Toda mudança implica o mínimo de boa vontade. Necessária e premente a conformação do inquérito policial aos preceitos constitucionais, como medida vital.

Como visto o grande problema reside na adoção m se de inquérito policial do princípio do contraditório. No tocante à ampla defesa o direito já se encontra sumulado.

O STF editou a Súmula Vinculante nº 14 segundo a qual:

É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentadas em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal acolhe a ampla defesa a partir do indiciamento do investigado informando que a situação de ser indiciado gera interesse de agir, assim, a instauração de inquérito policial, com indiciados nele configurados, faz incidir a ampla defesa, com os recursos a ela inerentes.

6. O Inquérito Policial Democrático

O vocábulo democracia é dotado de forte intensidade, mas não é somente disposição de espírito que pode conduzir um país ao estado democrático. A Constituição Federal de 1988 traz em seu bojo conteúdo democrático. É um fato. Mas não podemos nos fazer democráticos, renascermos sob este título de um momento para outro. Nas lições do mestre Ferreira Filho, referindo-se a promulgação da Constituição de 1988: "O mundo hoje é unanimemente democrático. Todos os governos e todos os povos pretendem ser democráticos. Todos se declaram pela democracia e, não raro, se entredevoram pela democracia".[77]

A promoção da justiça criminal, circunscrita ao trabalho desenvolvido pela Polícia Civil, especificamente, focado no inquérito policial como meio de apuração das infrações penais, consiste em conciliar os direitos e garantias constitucionais da pessoa investigada, respeitando os princípios adotados na Carta Magna com o direito da população de viver em uma sociedade com segurança pública.

E, tendo este como ponto máxime de nosso estudo, consideramos que o inquérito policial possui um aspecto muito mais abrangente do que os clássicos o pretendem e deveras intenso quando retiramos o véu que lhe é atirado pelos reticentes, a fim de encobrir-lhe sua real finalidade, vale dizer, o inquérito não se restringe a satisfação do jus puniendi, nem a servir ao órgão acusatório, seu valor é muito mais nobre.

As âncoras que nos atrelam ao posicionamento clássico que nega aplicação dos princípios do contraditório e ampla defesa ao inquérito são as mesmas que nos proporcionam o afogamento nas profundezas da descrença, do menosprezo ao inquérito e a Polícia Civil, afinal, este é o principal trabalho, a apuração das infrações penais.

Demonstramos no presente trabalho que a maior parte da doutrina e jurisprudência posiciona-se pelo não cabimento do contraditório e ampla defesa no inquérito policial. Há, ainda, opiniões que sustentam o contraditório mitigado, encampadas pelos ilustres Prof. Antonio Scarance Fernandes, os autores Evandro Fernando Pontes e Flávio Boechat Albernaz. Posicionamento híbrido que adota uma postura mais cautelosa e que defende que atos que não possam ser repetidos em sede processual (por exemplo, busca e apreensão, perícia) devam submeter-se ao crivo do contraditório.

E, ainda, os que defendem de forma incondicional a incidência dos princípios, como exemplo Rogério Lauria Tucci, José Rogério Cruz, Joaquim Canuto Mendes de Almeida, Marcelo Fortes Barbosa e outros nomes de peso para os quais não há como se negar a aplicação dos princípios em sede de inquérito policial e fundamentam o posicionamento com fulcro no art. , inciso LV, da Constituição Federal de 1988, no contexto social e político em que foi concebida a Constituição Federal e, principalmente, na visão de que o inquérito policial como meio de apuração de infração penal, à medida em que submete-se ao respeito à dignidade da pessoa humana é um instrumento da promoção da Justiça social. Tese à qual nos afiliamos.

Cumpre-nos relembrar que os princípios do contraditório e ampla defesa, sob a égide da Constituição anterior, aplicavam-se somente ao processo penal. Hoje, após a promulgação da Carta Constitucional de 1988 existe a extensão aos processos administrativos e judiciais, importando na ciência bilateral dos atos e termos processuais, com a possibilidade de atuação das partes na formação da convicção do juiz. Esta situação visa a concretização do Estado Democrático de Direito.

É, portanto, inaceitável a argumentação de que a aplicação do contraditório no inquérito policial implicaria numa burocratização da investigação criminal. O certo é que, no atual sistema processual, o inquérito policial deve sofrer uma adequação e um melhor aprimoramento, como procedimento fundamental que efetivamente é.

O Prof. Luís Flávio Gomes, em artigo escrito com base em ideias desenvolvidas junto a Academia de Polícia Civil do Estado de São Paulo e a Academia Nacional de Polícia/Polícia Federal, assim se manifestou:

De que valeriam os princípios da igualdade, contraditório e ampla defesa se a acusação já comparecesse hipertrofiada na fase judicial?

Iluminada, aberta ao público com regras absolutamente claras e justas, mas os lutadores, que finalmente sobem ao ringue são, de um lado um peso-pesado, e de outro, um peso pena. (...)

Neste passo, fica claro mais uma vez, e agora em função do princípio da isonomia, o descompromisso da autoridade policial com os interesses do futuro órgão da acusação ou dos investigados. O delegado de polícia, como autoridade do Poder Executivo que atua na persecução criminal, tem a missão constitucional de investigar a verdade sobre fatos e sua autoria, de forma neutra, desvinculado de paixões que inevitavelmente contagiam aqueles que, em juízo, disputarão teses com a aparte contrária.

O princípio da isonomia só estará sendo respeitado no processo criminal se tiver sido observado também na investigação preliminar (...), sob pena de termos apenas a igualdade formal no processo criminal, o que não atende a vontade da Carta Magna de 1988.[78]

Neste estudo abrimos o leque do panorama político e jurídico no qual inserido o inquérito policial, retrocedemos às suas bases históricas e seu nascedouro, delineamos seus enfrentamentos pela subsistência e avançamos para posicioná-lo no contexto dos princípios da Constituição Federal de 1988.

Concluímos, então, que não há se falar em inquérito policial sem desmistificar velhos conceitos, desacreditar teorias que não mais se coadunam com a dignidade da pessoa humana e o Estado Democrático de Direito e, uma vez questionando as argumentações de inaplicabilidade de princípios constitucionais ao inquérito policial ou conceituações medíocres que se tornaram jargão no meio acadêmico evidenciadas pelo conceito de "mero procedimento informativo" só assim, evidenciando teorias hoje falhas, é que podemos discutir o papel do inquérito como meio de apuração das infrações penais.

O que era tido como certo, antes da promulgação da nossa Constituição, hoje tem de ser revisto, amoldado a seus princípios, submetendo-se a seus preceitos. E isto tem de ser feito, sem reservas, sem preconceitos, sem empecilhos vulgares e, principalmente, sem acreditarmos que, por ser o inquérito policial um instrumento centenário, devamos nos acomodar.

Citando o Mestre Bismael B. Morais "no atual estágio do conhecimento humano, não é compreensível que se deva olhar para frente, caminhando-se de costas (...)[79] e no esteio desta assertiva esposamos nosso entendimento de alçar o inquérito policial ao seu verdadeiro patamar, considerando-o como instrumento de Justiça social, afinal um dos ideais de nossa sociedade.

O papel do inquérito policial restou evidenciado de fundamental importância na promoção da defesa dos direitos fundamentais, previstos na Constituição, considerando o investigado em sua qualidade de sujeito de direitos. De nada adiantam as tentativas de suprimi-lo, pois ele subsistirá. Não adiantam as tentativas de entregá-lo em outras mãos, elegendo o órgão acusatório como o pertinente a presidi-lo, pois este é parte. E parte não possui a isenção necessária à sua condução. Nele (inquérito policial) não se defende tese. Busca-se a verdade!

É nossa obrigação repensar seu posicionamento em nosso ordenamento jurídico, valorando-o como instrumento centenário, conhecendo-o de forma límpida, analisando-o sob o prisma de seus valores e finalidades e adequando-o aos nossos princípios constitucionais, sobretudo considerando a dignidade da pessoa humana como bem fundamental assegurado como espeque de nossa sociedade.

O caminho a ser traçado para análise do inquérito policial é somente o da sua interpretação conforme os parâmetros traçados pela Constituição. Afinal, não há que se falar em uma leitura da atual Constituição sob as premissas de textos envelhecidos ou doutrinas equivocadas.

A realidade exige uma visão mais estratégica dos modelos adotados, incluindo-se o inquérito policial. Isto implicaria num diferencial competitivo a médio e longo prazo, importando na valorização da Polícia Civil.

O inquérito policial, em seus 171 anos de existência, repercute hoje como instrumento de fundamental importância para a concretização de um patamar mínimo civilizatório.

Centenário sim, contudo, é o inquérito policial democrático, peça fundamental para a promoção da Justiça social.

Código de Processo Penal, Exposição de Motivos, Decreto-Lei 3.689, de 1941.

[2] CARVALHO, Jefferson Moreira de. Prisão e Liberdade Provisória. São Paulo: Juarez de Oliveira. 1999. P.02

[3] ZACCARIOTTO, José Pedro. A Polícia Judiciária no Estado Democrático. São Paulo: Brazilian Books. 2005. P.33

[4] LÊ CLÈRE, Marcel. História breve da Polícia. Lisboa: Editorial Verbo, 1965. P.12.

[5] ZACCARIOTTO, José Pedro. Ibidem, p. 38.

[6] Maréchausée corpo de polícia militarizado formado, inicialmente, para guarnecer o exército, depois passou a ter a incumbência de patrulhar os campos e, nas cidades, manter a ordem e combater os criminosos.

[7] ZACCARIOTTO, José Pedro. Op. Cit., p. 41.

[8] Apelido popular ainda hoje usado. Trata-se de um diminutivo afetuoso tirado do nome de Sir Robert Peel.

[9] Nesse sentido Antonio Houaiss. Dicionário Eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Idem De Plácido e Silva (Vocabulário jurídico, edição eletrônica).

[10] TORNAGHI, Hélio. Processo Penal. Rio de Janeiro: Coelho Branco, 1953. P. 255.

[11] GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. A Polícia à luz do Direito. In: Seminário na Faculdade de Direito da USP. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 58.

[12] MEHMERI, Adilson. Inquérito Policial: dinâmica. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 372.

[13]" A expressão Alcaide tem origem árabe, "al-kaid" , significa chefe ou capitão de qualquer tropa, e entre os sarracenos, com o significado de poder absoluto "Nas lições de: GENOFRE, Roberto Maurício. Os cem anos da criação da Polícia de carreira de São Paulo. In: Revista ADPESP, Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo. Ano 24, nº 34, dezembro de 2004, p.31.

[14] Ibidem, p.33. A despeito dos quadrilheiros o autor afirma:"com a vigência das Ordenações Filipinas, até 1760, o policiamento na Colônia passou a ser exclusivamente de responsabilidade dos quadrilheiros, moradores das quadras (daí o nome quadrilheiro) e inspetores de quarteirão, nomeados pelas Câmaras (constituídas de juízes ordinários e vereadores), para servirem por três anos. Substituíram os alcaides pequenos nas atividades policiais. Eram oficiais inferiores de justiça e traziam como insígnia uma vara pintada de verde, com as armas reais".

[15] PAULA, Antônio de. " Do Direito Policial ". 2ª edição. Editora a Noite. 1929. Rio de Janeiro, p. 29.

[16] ROVEGNO, André. O Inquérito Policial e os Princípios Constitucionais do Contraditório e da Ampla Defesa, ed. Bookseller, 2005, p. 57.

[17] GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Op. Cit., p. 27

[18] GENOFRE, Roberto Maurício. Op. Cit., p. 66.

[19] MONDIN, Augusto. Manual de Inquérito Policial. Escola de Polícia de São Paulo. São Paulo: TDI, 1955, p. 333.

[20] GENOFRE, Roberto Maurício. Op. Cit., p. 66.

[21] GENOFRE, Roberto Maurício. Op. Cit., p. 67.

[22] FERNANDES, Heloísa Rodrigues. " Política e Segurança ". São Paulo: Alfa-Ômega. 1974, p. 47.

[23] ZACCARIOTTO, José Pedro. A Polícia Judiciária no Estado Democrático. Sorocaba: Brazilian Books. 2005. P.116.

[24] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Teoria do Poder: sistema de direito político. São Paulo: RT, 1992, p. 28.

[25] PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil: evolução histórica. São Paulo: Javoli, 1980. P. 27-60.

[26] TELES, Ney Moura. Direito Penal, 2ª edição. São Paulo: Atlas, 1998, p. 112.

[27] MEHMERI, Adilson. Op. Cit., p. 372.

[28] ALTAVILA, Jayme. Origem dos Povos, 3ª ed., São Paulo: Melhoramentos, 1963, p. 76.

[29] www.planalto.gov.br/ccvil_03/decreto/Historicos/DIM/DIM4842. Htm

[30] www.jusbrasil.com.br/legislacao/103837/decreto-4824-71

[31] A respeito ver FILGUEIRAS JUNIOR, Araújo. Código do Processo do Império do Brasil e todas as mais leis... BDJur, Brasília, DF, 2008, v.1. Disponível em <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/16420>;

Código de Processo Penal, Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941.

Código de Processo Penal, Exposição de Motivos, Decreto-Lei 3.689, de 1941.

[34] ROVEGNO, André. O Inquérito Policial e os Princípios Constitucionais do Contraditório e da Ampla Defesa, ed. Bookseller, 2005, p. 87

[35] TAQUARY, Eneida Orbage de Brito. A investigação criminal atividade exclusiva da autoridade policial. Artigo publicado na Associação dos Delegados de Polícia do Rio Grande do Sul. <http://www.asdep.com.br/principal.php?id=artigos&cod=52

[36] GENOFRE, Roberto Maurício, Op. Cit., p. 47.

[37] MONDIN, Augusto. Manual de Inquérito Policial. Escola de Polícia de São Paulo. São Paulo: TDI, 1955, p. 44.

[38] MUCCIO, Hidejalma. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011.

[39] MARQUES, José Frederico. Elementos do Direito Processual Penal. 2ª ed., São Paulo: Millenium, 2000, p. 117.

[40] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr., 2008, 7ª ed., p. 70.

[41] ROVEGNO, André. Op. Cit., p. 228.

[42] QUEIROZ FILHO, Dilermando. Inquérito Policial. Rio de Janeiro: Ed. Esplanada, 2000, p.46.

[43] LEAL, Antonio Luiz da Câmara. Comentários ao Código de Processo Penal Brasileiro. São Paulo: Ed. Freitas Bastos, 1942, p. 76.

[44] MONDIN, Augusto. Op. Cit., p. 45.

[45] ROVEGNO, André. Op. Cit., p. 91.

[46] ALMEIDA, João Canuto Mendes de. Princípios Fundamentais do Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973.

[47] ROVEGNO, André. Op. Cit., p. 135.

[48] Anais do Senado, 1871.

[49] MEHMERI, Adilson. Inquérito Policial (Dinâmica). São Paulo: Saraiva. 1992, p. 63.

[50] MONDIN, Augusto, Op. Cit., p. 49.

[51] MARQUES, Tarcísio. Inquérito Policial. Revista ADPESP nº 29. V.1, São Paulo: ADPESP: julho 2000. P. 62.

[52] MARQUES, Tarcísio. Op. Cit., p. 63.

[53] MORAES, Bismael B. O Inquérito é mera peça informativa? Revista ADPESP. São Paulo: ADPESP, Ano. 23, n. 32, 2003, p. 109-110.

[54] ZACCARIOTTO, José Pedro. Op. Cit., p.131. Conforme a famosa máxima:" Deixai fazer, deixai passar, o mundo caminha por si só "(Laissez faire, laissez passer, lê monde va de luimême)

[55] HOLTHE, Leo Van. Direito Constitucional. 6ª ed., Mato Grosso: Ed. Podium, 2010, p. 96.

[56] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10ª ed., São Paulo: Editora Malheiros, 1995, p. 104.

[57] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional/ Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. 5ª ed. Rev. Atual. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 213.

[58] MENDES, Gilmar. Op. Cit., p. 223.

[59] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 10ª ed., São Paulo: Ed. Malheiros, 1995. P. 104.

[60] Do espírito das Leis, São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1962, v.1, p. 181.

[61] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais naConstituição Federall de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 24.

[62] SARLET, Ingo Wolfgang. Op. Cit., p. 76.

[63] MENDES, Gilmar. Op. Cit., p. 968.

[64] MENDES, Gilmar. Op. Cit., et seq.

[65] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, v. 1, p.64.

[66] MIRABETE, Julio Fabrini. Processo Penal. 16ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 849.

[67] MENDES, Gilmar. Op. Cit., p. 602.

[68] HOLTHE, Leo Van. Direito Constitucional. 6ª ed. São Paulo: Editora Podium. 2010, p. 400.

[69] BARBOSA, Manoel Messias. Inquérito Policial: doutrina, prática e jurisprudência. 2ª ed. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito. 1991. Pp. 64-65.

[70] TOURINHO, Fernando da C. Op. Cit., vol. 1, ob. Cit. P. 50.

[71] MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 1ª ed. Campinas: Bookseller, 1997. P. 151.

[72] ROVEGNO, André. Op. Cit., p. 289.

[73] Este artigo foi publicado pelo jornal" O Estado de São Paulo "em quatro partes, em 1957. Em 1973 o trabalho foi publicado em livro pela Editora Revista dos Tribunais, sob o título Princípios Fundamentais do Processo Penal, difundindo as ideias do autor.

[74] ROVEGNO, André. Op. Cit., p. 312.

[75] MARTINS, Ricardo Maffeis. Reforma Penal (II) Os problemas do arquivamento das investigações pelo MP. Disponível em: www.direitocriminal.com.br. Acesso em 25 de maio de 2006.

[76] MARTINS, Ricardo Maffeis. Op. Cit., p. 01.

[77] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 24ª edição. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 96. Vale aqui a máxima “faça o que eu falo e não o que eu faço”. Sob a premissa de Estado Democrático, a República Democrática Alemã fuzilava a todos que tentavam exercitar seu direito de ir e vir, dirigindo-se à Berlim Ocidental. Portanto, vale a lição da composição da ética e Direito.

[78] Investigação preliminar, Polícia Judiciária e autonomia. Artigo escrito com base nas ideias desenvolvidas por ocasião da palestra proferida pelo Prof. Luis Flávio Gomes, no Colóquio sobre inquérito policial promovida em parceria pela Academia da Polícia Civil/SP e Academia Nacional de Polícia/PF.

[79] MORAES, Bismael Batista. Direito e Polícia: uma introdução à Policia Judiciária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986.

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